04/02/10

Ainda sobre a regionalização


Voltemos à conversa com José Trincão Marques (JTM) sobre a regionalização, fundamentalmente sobre o que ele escreveu no já longínquo dia 26 de Janeiro passado.
Diz JTM: "Este argumento [um dos meus argumentos contra a regionalização] fez lembrar-me as justificações de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano para não democratizarem o nosso regime político, nem concederem mais autonomia às colónias do Ultramar.

Em abstracto até compreendiam a ideia da democratização e da autonomia das colónias africanas, mas a prudência não aconselhava aquelas aventuras.
"

Há aqui um equívoco. Oliveira Salazar nunca pretendeu democratizar o regime. Ele era visceralmente anti-democrático. Também nunca pretendeu dar autonomia às colónias. Salazar via como necessária, para Portugal e para o Ocidente, a presença portuguesa nas colónias. Não era apenas a impreparação dos povos colonizados para a autonomia, embora essa impreparação fosse efectiva, como as longas guerras civis vieram mostrar, e mostrar contra a nossa visão idílica do mundo. Salazar achava mesmo necessária a presença do Ocidente tanto para os povos autóctones como para a defesa do Ocidente. Relativamente a Marcelo Caetano quase que se poderá dizer o mesmo, apesar da chamada primavera marcelista. Marcelo Caetano foi, de certa forma, o principal ideólogo do Estado Novo. A crença na democracia foi tardia e de curtíssima duração. Esta analogia entre o meu argumento e os de Salazar e Caetano não colhe, pois eles não pensavam da maneira que JTM lhes atribui. Tudo isto é extensível aos regimes marxistas-leninistas. Eles não tinham por base uma crença na democracia. Acreditavam no fim do Estado e das instituições políticas de dominação, e viam na ditadura do proletariado um caminho seguro para essa destruição do político.

Mas imaginemos que sim, que há quem argumente que os povos não estão preparados para viver em democracia, portanto que se deve evitar a sua democratização. Este argumento é verdadeiro ou falso? Embora o regime de verdade e falsidade em política não tenha um cariz científico, mas apenas probabilístico, podemos dizer que, tendo em conta a experiência, há povos e situações políticas que não permitem uma transição à democracia. Como, infelizmente, não faltam exemplos nem vale a pena elencá-los. É só abrir o mapa em África, no Médio-Oriente e no Oriente e escolher de olhos fechados. Isto mostra, pelo menos, que para se tomarem determinadas disposições políticas é necessário ter em conta não apenas a bondade teórica do que se propõe, mas também as condições objectivas que existem e as consequências a médio e a longo prazo.

Diz, depois, JTM: "Ao contrário do que afirma JCM, não concordo que os portugueses tenham menor atitude para com a vida, a sociedade, o trabalho, o saber, e a virtude cívica do que os outros povos. Os portugueses têm as mesmas virtudes cívicas dos outros povos. As mesmas grandezas e misérias."

O problema está, de facto, aqui. É uma questão de crença cognitiva. Eu não acho que todos os povos possuam as mesmas disposições. A história, a geografia, a cultura moldaram-lhes as instituições e também as atitudes, inclusive para com o bem-comum. Eu não sou adepto da tábua-rasa. Não se pode apagar a história e aquilo que se sedimentou. Esse é o principal problema de Portugal. As boas ideias acabam por ser impostas por um despotismo iluminado, por vezes democrático, fazendo tábua-rasa da realidade. O resultado é aquele que é, a crise permanente em que se vive.

O problema da regionalização não é ela em si mesmo. O problema é o da fragilidade do Estado, sempre o foi e por isso ele se tornou desmesurado, de uma comunidade sem recursos, de uma classe política marcada pela vaidade, pouco preparada, geralmente ignara, irresponsável pelos seus actos, cheia de arrivistas, dotada de pouco espírito patriótico. Mas esta classe política só subsiste porque os cidadãos não exercem sobre ela vigilância nem a controlam. Muitas vezes, acabam por premiar os desempenhos marginais à lei. Isto tem explicações histórico-culturais. Há países em que isto não é assim, como há outros onde isto é bem pior. O problema está aqui. Podemos dizer que isto não existe, meter a cabeça na areia, e regionalizarmos o país. Amanhã, a regionalização será aprofundada, como as elites regionais não irão deixar de exigir, lentamente passar-se-á para situações de maior autonomia, a atracção de certas regiões espanholas, nomeadamente a Galiza, ir-se-á fazer sentir, e temos um problema onde ele não existia. Só isso.

Bem, esta prudência também pode ser sinal de que estou a ficar velho. Mas talvez não seja só isso.

1 comentário:

jotabil disse...

A regionalização deverá ter origem ou decorrerá da constituição de comunidades orgânicas nas quais, o homem integrado num sistema como um elemento complementar de um todo,fundará com os outros elementos nele integrados uma entidade politicamente relevante, autosuficiente.
Ou seja consituirá uma entidade autárcita, podendo admitir-se que se ligará a outras entidades do mesmo tipo, talvez ainda querendo materializar os laços culturais que entre elas, pressistirem.
Mas para este efeito , é necessário descentralizar na medida da dimensão dessas comunidades, o que hoje, no regime actual permanece muito centralizado, como sejam ; a energia ou a informação...como exemplos.
Será uma diferente organização, politico-social que o homem adopta, em consequência da emergência das novas tecnologias.
Não mais escolas...não mais jardins de infância...não mais jardins de infância. Tudo será regido por um paradigma diferente...mais moderno...mais a
ágil, mais flexível e sobretudo, mais justo.
Estamos numa mudança acelerada para esse modo. O liberalismo actual está nos estertores da agonia por anquilosado e vetusto. Por isso estas crises....por isso estas guerras provocadas por cobiças que se escondem atrás dos pobres dos sarracenos.
É só propaganda....atrás de um terrorismo organizado e apoiado por este mundo ocidental que quer esconder a emergência de um novo modo de vida.
Aconselho uma releitura da Vivian Forrester ...para aclimatarmos a alma ao horror económico que nos avasala.
E depois são os agarenos os fundamentalistas....Oh eras!!!! Coitados dos Islamitas....com uma religião tão próxima da nossa e do judaísmo.
Já vi que o Caro tb se inquieta perante a verdade no horizonte.
Por ser assim ...nunca mais culpe os islâmicos do terrorismo que grassa....os mentores são outros.Puxe do seu sentido filosófico, inquiete-se perante a propaganda e não aceite ideias feitas,,,chavões para modelar a opinião pública.
Como deve saber, filosofar é apenas pairar sob a luz da verdade...que como cita....é um erro desterrado na eternidade.
Mas gosto de lhe seguir o pensamento quando filosofa.
Mas nunca julgue os Islâmicos....a sua doutrina é mais um passo da divindade em direcção ao homem ...ou vice versa...como quiser...Mas é um passo espiritual que pretende diminuir o campo do absurdo de Camus....e por isso o espaço e tempo sagrados dos islamitas deve merecer a nossa comoção.
Bem ...desviei-me um pouco do assunto ...mas a realidade é tudo o que subjectivamente, nos avassala.
Desculpe as gralhas e o "transcorrer"...

cumps