15/02/10

A Igreja e a sexualidade


A reunião de Bento XVI com a hierarquia da Igreja irlandesa por causa de práticas pedófilas encobertas pela própria hierarquia local (aqui ou aqui) mostra um problema que está longe de se circunscrever à Irlanda (ver, por exemplo, aqui). Esta generalização da descoberta de uma praxis repugnante e hedionda não deve ser apenas pensada pela Igreja do ponto de vista do pecado e do crime individuais. Não estou a dizer que todos os padres devem pagar por aquilo que alguns fizeram. Os actos comprometem os que os praticaram, mas também aqueles que calaram e encobriram. Mas a Igreja deve ir mais longe e interrogar a relação da casta sacerdotal católica com a sexualidade.

Em muitas religiões, inclusive em confissões cristãs, a casta sacerdotal não é obrigada, a não ser em caso de vocações muito específicas, ao celibato. A hierarquia e o clero da Igreja Católica são compostos por homens comuns e nada nas suas funções implica a negação da sexualidade própria. O recalcamento da sexualidade bem como o afastamento dos padres de uma vivência familiar com filhos acaba por os tornar insensíveis a estes problemas e a pactuar com o diabo, para falar eufemisticamente. Se compararmos, pelo menos ao nível daquilo que se conhece publicamente através da comunicação social, os cleros das várias confissões cristãs, é praticamente apenas na confissão católica que o problema da pedofilia atinge as proporções absolutamente dramáticas que se estão a conhecer. Isto não quer dizer que o celibato conduza à pedofilia, nem quer dizer que não haja pedófilos casados e pais de família. Mas dever-se-á, pelo menos, perguntar se não haverá uma correlação entre a exigência do celibato pela hierarquia e este tipo de crimes, se o celibato coercitivo não perverterá a sexualidade de alguns padres e tornará outros insensíveis ao problema? A Igreja Católica precisa de repensar muito claramente a sua relação com a sexualidade, se quiser viver e ter ainda alguma influência sobre o mundo.

4 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Penso que se trata de uma questão psicanalítica. Os padres católicos não têm um problema com a sexualidade por causa do celibato. Ser celibatário é um modo de vida como outro qualquer e há muita gente celibatária sem quaisquer problemas relativamente ao sexo. Muito provavelmente, já será um problema prévio com a sexualidade que os levará a ser padres. Escolher uma via onde a sexualidade é doutrinária e institucionalmente reprimida, poderá ser uma saída airosa para reprimir e disfarçar tendências com as quais, conscientemente, se mantém uma difícil relação.

JR

Jorge Carreira Maia disse...

Isso pode ser assim, mas provavelmente estamos a falar, em muitos casos, de padres que entraram muito cedo nos seminários, contrariamente ao que se passa hoje, e já há uns tenpos para cá. Portanto, ainda numa fase de pré-puberdade. Seria interessante investigar quantos destes abusadores não foram também abusados, e se tudo isto não representa uma longa e negra tradição, digamos assim. Pelo menos a questão deveria ser colocada.

Fernando Vasconcelos disse...

Como católico praticante não posso estar mais de acordo consigo. Penso que o celibato teve as suas razões em tempos idos mas que nos dias de hoje é apenas uma das muitas razões do afastamento da igreja da realidade. Eu até entendo as motivações teológicas e filosóficas que impedem uma evolução de acordo com as práticas comuns dos tempos mas penso que deveria não obstante haver a capacidade de perceber quais os dogmas que resultam dos princípios fundamentais da fé e quais os que foram apenas motivados por razões circunstanciais ... como é o caso deste aspecto especifico: a exigência do celibato na igreja católica apostólica romana. No que me diz respeito considero um absoluto absurdo. Quanto à protecção estamos falados e subscrevo, vai bem mais fundo do que a simples prática individual ... Claro que o José também tem razão o problema da sexualidade vem do ponto de vista individual de muito antes ... mas não deixa de encontrar aqui um catalisador, que me desculpem esta opinião de "treinador de bancada".

maria correia disse...

Sim, a Igreja deveria reformular a sua posição sobre o celibato...existe já uma corrente no seio da Igreja, pelo menos uma, que defende que o celibato não deve ser obrigatório para os padres e freiras! A Teologia da Libertação, uma corrente teológica com assento especialmente na América Latina. Comona maior parte das religiões, o celibato deveria ser opcional.