Um destino singular
Esta excelente fotografia, de João Henriques, do Público, tira a sua excelência daquilo que ela diz de Sócrates. O fundo negro parece prenunciar o horizonte para onde se dirige. É um facto que ele está de costas semi-voltadas para esse horizonte, mas não é menos verdade que ele o envolve. O segundo traço da fotografia é a singularidade de Sócrates. Esta singularidade, que ele desesperadamente cultivou, no entanto, não significa grandeza. Em primeiro lugar, essa singularidade significa solidão. Sócrates está só, inclusive no seu próprio partido, acossado por uma matilha que lhe ladra às canelas. Ele está a aprender dolorosamente que não se deve tratar os outros como cães, pois acabam sempre por morder. Em segundo lugar, essa singularidade é captada na fotografia pela expressão do primeiro-ministro. Há ali um azedume com o destino. Ele que envolto num ego hiperbólico ansiava um lugar glorioso na História, vê-se agora pura e simplesmente como o primeiro primeiro-ministo obrigado a depor perante a Assembleia da República, lugar aliás onde, tantas vezes, tratou de forma inqualificável a oposição, que agora o obriga a depor. Um destino singular.
2 comentários:
Excelente texto, como sempre, e inteiramente de acordo. Esta triste figura é igual ao fundo que o envolve: uma figura negra que ao nada se reduzirá. Politicamente, terá o que merece. Se quem lhe morder tiver o fel que o próprio sempre destilou, terá ainda mais o que merece. O pior é se outro igual lhe toma o lugar. Infelizmente, nos últimos tempos, não faltou quem tentasse imitar o dono...
A imagem é, de facto, soberba.
A sua tradução no comentário está, quanto a mim, muito próxima da realidade. Ainda quanto a mim, também, há um aspecto em que talvez não esteja totalmente de acordo: o seu doentio e vesgo ego hiperbólico não o deixará nunca ver o destino com azedume.
O que ele aqui encara com azedume é um revés (só por ele) inesperado.
jlf
PS: a minha passagem pelo A VER O MUNDO não corresponde ao meu longo silêncio.
Abr
jlf
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