05/01/10

Regiões, uma viagem de 800 anos


A instabilidade militar e social do reino, bem como o clima de conflitos a que não escapou o próprio Sancho I (em fricção com os bispos do Porto e de Coimbra e com sectores da nobreza), prolongaram-se até ao final da vida do monarca. De um modo geral, o rei colocou-se ao lado dos concelhos nas querelas contra os poderes senhoriais exercidos por alguns prelados, como sucedeu entre o burgo do Porto e o seu bispo em 1208. Face aos poderes concorrentes detidos pelos senhores laicos e eclesiásticos, o monarca privilegiava a aliança com as principais comunidades urbanas, elas próprias também interessadas numa regulada ligação à Coroa que as defendesse do que consideravam ser a arbitrariedade senhorial. [Bernardo Vasconcelos e Sousa, (2009). "Idade Média", in Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, pp. 46/7]
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Não é transferível a situação política de Portugal medieval, com o reino ainda em fase de consolidação, para os nossos dias. Há, no entanto, elementos persistentes na estruturação política do país que devem ser pensados na sua espessura histórica. Hoje em dia, quando o governo e o partido que o apoia querem retornar à questão da regionalização, não é inútil, apesar da diferença epocal, social e civilizacional, perceber a estrutura fundacional da nacionalidade.

Se olharmos para o texto citado, encontramos três realidades políticas coexistentes. O poder real, de carácter central, o poder senhorial, laico e eclesiástico, que poderíamos dizer de carácter regional, e o poder concelhio de carácter municipal. O que acontecia é que a estrutura senhorial, de naturezar intermédia, constituía um factor de perturbação tanto do poder central (pois os senhores aspiravam vincar a sua paridade com o rei, que não seria mais do que o primeiro entre pares) como do poder concelhio (a quem aspiravam submeter à sua arbitrariedade).

Aqui está um dos principais problemas que se levanta contra a regionalização. Problema, aliás, claramente sublinhado pela história recente das regiões autónomas. As regiões que se preparam são, em princípio, uma espécie de sobre-município, de uma autarquia local de carácter regional. O problema é que isso é apenas o começo. À volta dessas super-autarquias criar-se-ão elites políticas que quererão aprofundar o carácter regional da autarquia, inventar uma cultura regional, aspirar a uma maior distribuição do poder. Haverá todas as oportunidades para que essas elites regionais se venham a comportar, tanto para com o poder central como para com o municipal, da mesma forma que o poder senhorial medieval se comportava perante o Rei e os concelhos.

Este é um problema que merece ser pensado. O que está em jogo não é apenas o enfraquecimento do poder central, e o que isso significa para os mais fracos, mas também o próprio poder municipal. O país mudou, a sociedade é radicalmente diferente, mas a espécie humana e a natureza das elites portuguesas mantiveram-se idênticas.

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