31/01/10

A comédia do insucesso escolar



O Público de hoje traz uma reportagem sobre o flop dos chamados planos de recuperação dos alunos. A reportagem merece ser lida, não tanto pelo que diz, mas por aquilo que deixa suspeitar. É evidente que os planos são burocráticos e que os professores não estão preparados para lidar com o assunto, pois essa preparação nunca lhes foi dada como deve ser. Também é verdade que não existe uma tipificação das dificuldades de aprendizagem, nem se conhece medidas testadas que permitam obviar a essas dificuldades. No entanto, tudo isso apenas pode servir para ocultar uma outra realidade.

Essa outra realidade surge claramente expressa no editorial do Público. Cito:

«Por muito que haja planos, professores destacados e escolas com computadores Magalhães, a luta a que a anterior ministra da Educação se propôs dificilmente dará grandes resultados enquanto os pais não encararem a escola como um activo imprescindível. Ou enquanto as reprovações não forem vistas como um anátema social que merece censura. Agora, que se prepara uma reflexão sobre o que correu mal, talvez valha a pena reflectir sobre se a prioridade dos planos está na escola ou no meio que a envolve.»

Se há cinco anos tivessem perguntado aos professores onde se encontra o problema essencial do insucesso escolar, eles teriam explicado que era aqui mesmo, na importância que, efectivamente, famílias e alunos dão à escola. Se essa pergunta tivesse sido feita há 10, 15 ou 20 anos, a resposta teria sido exactamente a mesma. Há muito que os professores sabem onde se encontra o problema. Há muito que o Ministério da Educação, cheio de preconceitos, acha que não deve escutar os professores e continuar a lutar contra moinhos de vento, inventar uma burocracia inenarrável, cuja finalidade prática é desmotivar os professores e condenar milhões de alunos ao insucesso escolar e na vida.

Se este Ministério da Educação continuar a acreditar que a parte de leão do problema está dentro das escolas e não fora delas, coisa que me parece ser o que vai acontecer, os professores só podem esperar o pior. Novas ondas de burocracia, novas ilusões e novas acusações. Por muito que contrarie o eduquês instalado, a burocracia ministerial e os interesses que colonizam as escolas, o que, em primeiro lugar, tem de mudar é a relação da sociedade e dos alunos com a escola. A partir daí, tudo começaria a fazer sentido. Mas quem quererá afrontar uma parte dos eleitores dizendo claramente que a sua atitude é irresponsável? É preferível que a comédia continue.

3 comentários:

Alice N. disse...

Os planos de recuperação são mais uma das faces do imenso inferno burocrático que se abateu sobre as escolas. Na minha, sempre que um aluno tem um plano de recuperação ou de acompanhamento, isso representa, no mínimo, 10 documentos por aluno, ao longo do ano (em certos casos, mais). Não contando com os outros documentos normais, que se fazem para todos os alunos, temos então os planos, as diversas avaliações dos planos - do encarregado de educação, do aluno, do conselho de turma, do Papa... Tudo se repete em todos os períodos e tudo tem de ficar escrito e bem descrito, em documentos específicos. E há ainda a reformulação dos planos, os relatórios, etc. Isto para cada aluno, e há turmas onde metade ou mais dos alunos têm plano. Como dizia alguém, é só fazer as contas... Mas se pelo menos a burocracia resultasse, seria mais fácil aceitar o inferno (ela até tem resultado, mas só estatiscamente, como sabemos). Os planos e mais planos (hoje, há planos para tudo) são pura areia para os olhos de todos. Um engano. Uma ilusão. Uma vergonha. Mas é mais fácil assim do que atacar os problemas pela raiz.

jotabil disse...

Pois...clarissimamente, isso.
Não diria melhor. É exactamente essa a realidade.Os filhos são retirados aos pais para serem formatados no sistema cristalino que melhor serve ao recolector das mais valias....estilo... vitelos que são retirados, desde cêdo, às mães para que elas, possam produzir mais mais leite para o sistema de produção.
Entretanto na creche da vacaria os juvenis vão aprendendo os métodos de adaptação á produção...ou seja...até já não chamam às pessoas...pessoas...mas sim recursos humanos...versus recursos materiais...meros artigos completos a utilizar na produção...indefinidamente, coisas seriadas e sem heroicidade que as disitinga.
Não existe um viver orgânico que permita o progreso da espiritualidade com que o homem tece o seu campo do absurdo onde diariamente luta....com esperança de um dia encontrar a verdade...mesmo que seja no infinito ou no trancendente.´
Um homem é um homem...é mas do que coisa...e os recolectores estão a desrespeitar essa dimensão.
Os Pais são,nesta lógica, meros progenitores...pais biológicos....a sociedade actual, vai, progressivamente, diminuindo o estatudo dessa organização quase informal que é a família, para isolar o servo na sua solidão produtiva e desse modo se tornar mais vulnerável a uma sútil e depravada exploração pelos vendedores de ilusões e iniciados.7

maria correia disse...

Tenho de bater palmas ao comentário de Jotabil! Admirável Mundo Novo! Felizmente ainda existem por aí uns fulanos esquisitos que vivem em Reservas...