27/01/10

Aristóteles - Administrar uma casa


A pessoa que tiver intenção de administrar uma casa [hoje, pode entender-se por casa qualquer organização] de forma correcta tem de estar familiarizada com os lugares de que se vai ocupar, ser dotada, por natureza, de boas qualidades e de possuir, por vontade própria, sentido de trabalho e de justiça. Ora, se algum destes elementos lhe faltar, irá cometer erros frequentes na empresa a que meteu mãos. [Aristóteles, Os Económicos, 1345b7 - 11]
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Uma pequena lição de Aristóteles sobre a figura, para utilizar a linguagem actual, do gestor. Nesta pequena lição, pensa-se, porém, tudo o que é essencial. Em primeiro lugar, a vocação, isto é, o ser dotado por natureza de qualidades para o cargo que se desempenha. Vocação não significa aqui o mero desejo de ordenar e dominar os outros, mas a posse inata, nascida com a pessoa (por natureza), de qualidades que visam o bem da organização e a realização das finalidades a que esta se propõe. Não basta, todavia, a vocação, as boas qualidades naturais. São precisas mais duas coisas. Por um lado, o conhecimento (estar familiarizada com os lugares de que se vai ocupar). Como é peregrina a ideia de que um gestor gere bem qualquer coisa, desde uma empresa de sapatos até um hospital ou uma escola. Para administrar uma organização é preciso conhecê-la e aos fins a que ela se propõe. Mas qualidades naturais e conhecimento ainda não são suficientes, é preciso uma vontade boa. Como se manifesta esta vontade boa? Pela posse do sentido de trabalho e do sentido de justiça. Veja-se que não basta trabalhar muito e bem. É preciso ser justo no exercício do poder gestionário. A justiça implica o reconhecimento do contributo de todos os membros e a distribuição de encargos e recompensas de acordo com esse contributo. Se algum destes elementos faltar, então os erros na condução da organização serão frequentes. Ora, serão os nossos gestores, directores, administradores, públicos e privados, detentores de todas estas qualidades? Que importância darão eles, na prática e não na sua mera opinião, por exemplo, à justiça? A sociedade portuguesa está numa situação muito difícil. Parte substancial dessa dificuldade não advirá do facto dos nossos dirigentes não satisfazerem esta tabela de valores aristotélica? Não precisará o país de começar por reformar a sua classe dirigente a todos os níveis?

1 comentário:

maria correia disse...

Sem dúvida alguma que a questão passa pela renovação da classe dirigente. E com o acabar do conluio entre a classe dirigente, a banca, o corporativismo, os gestores (que nada de aristotélico possuem). A dita classe dirigente, a banca, as grandes corporações e o espírito neoliberal de que estão imbuidas, os «gestores» (céus, o que esses senhores têm feito a algumas editoras portuguesas!!)e mais toda a clientela de «boys and girls» que giram em torno «disto» deveriam ser todos despedidos e sem direito a fundo de desemprego. Aliás, nem precisariam pois todos fazem fortuna à conta do dinheiro público e de belos «investimentos» privados.