13/01/10

A irmandade europeia


Por mais que as nações europeias possam estar inimizadas, elas têm, porém, um especial parentesco interno, no plano do espírito, que a todas atravessa e que sobreleva as diferenças nacionais. É qualquer coisa como uma irmandade, que nos dá, nestes círculos, a consciência de um solo pátrio. Isto prontamente sobressai assim que queiramos compreender, por exemplo, a historicidade indiana, com os seus múltiplos povos e formações culturais. Neste círculo, há de novo unidade de um parentesco familiar, mas que é estranho para nós. Por outro lado, os Indianos vivem-nos como estranhos, e só entre si se vivem como confrades. [Husserl (2006). "A Crise da Humanidade Europeia e a Filosofia", in EUROPA: CRISE E RENOVAÇÃO, trad. Pedro M. S. Alves. Lisboa: CF/UO, pp. 18]
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Eis um dos problemas centrais que se colaca à questão da entrada da Turquia na União Europeia. Se o problema fosse meramente político ou mesmo religioso, ainda seria relativamente fácil resolvê-lo. Mas, por detrás da Europa económica, política e mesmo religiosa, existe uma concepção específica de humanidade e de, para falar à maneira de Heidegger, de ser-no-mundo que é especificamente europeia, isto é, ocidental. Husserl sublinha essa especificidade aquilo que a Filosofia e a atitude teorética introduziram no mundo e cunharam, assim, um modo de ser humano diferenciado de outros modos de ser. Mais do que a questão religiosa, pois esta é apenas a manifestação de uma outra coisa, é a diferença do telos (finalidade) da própria humanidade que separa a cultura turca (não algumas elites) da europeia. A Europa é uma concretização do homem teórico, do espírito da Filosofia, a concretização de um projecto de crítica radical da tradição, enquanto a Turquia faz parte de uma humanidade que possui um telos (finalidade) diferente, um telos que, contrariamente ao espírito da Filosofia, vinca a tradição e guarda-se, tanto quanto pode, do espírito crítico.

Convém que se veja para além daquilo que são os interesses aparentes, os interesses económicos e os interesses políticos, que regem o presente momento. O que separa os europeus dos turcos não é a religião, mas a Filosofia ou, melhor, a efectiva inexistência da Filosofia no lado turco.

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