03/09/09

Sobre a tradução de "Tyger! Tyger! burning bright"

A tradução do primeiro verso do poema de William Blake, The Tyger (ver mais abaixo), levanta alguns problemas que merecem meditação. O verso diz Tyger! Tyger! burning bright. A tradução apresentada foi Tigre! Tigre! ardência luminosa. A opção foi tomar burning como substantivo adjectivado por bright, daí a opção por ardência luminosa. Enquanto adjectivo, a tradução literal de bright seria brilhante ou resplandecente, o que daria o seguinte verso: Tigre! Tigre! ardência brilhante/resplandecente. Esta opção pareceu-me poeticamente mais frágil do que a apresentada, pois a ardência luminosa contrasta fortemente com o segundo verso Nas florestas da noite (In the forests of the night).

Traduzir burning por ardência implica várias coisas: 1.ª, ardência é a essência ou qualidade daquilo que arde; 2.ª a essência do que arde é luminosa e não apenas brilhante, o que significa que a essência se manifesta em sua luz, contrastando com a dupla negação da luz presente no segundo verso através dos substantivos florestas e noite, que reforçam a ideia de ausência de luz; 3.ª a expressão ardência luminosa (burning bright) tem um carácter metafórico em relação a Tigre. Podemos ler que o Tigre é uma ardência luminosa, ele não é um mero animal, nem uma mera coisa que arde e brilha, mas uma essência que faz com que o fogo e a luz sejam aquilo que são.

Foram estas as razões da tradução apresentada. Poderia ter seguido outro caminho e considerar burning e bright como dois adjectivos. A tradução seria, então, a seguinte: Tigre! Tigre! ardente luminoso (ou brilhante/resplandecente). Mas aqui perder-se-ia a força da metáfora anterior que reenvia para o domínio da essência. O tigre seria, nesta tradução, apenas um objecto puramente físico que arde e dá luz ou brilha.

Há, no entanto, uma outra tradução, menos literal, muito interessante. Vejamos os dois primeiros versos do poema: Tigre! Tigre! fogo que arde / Nas florestas da noite (Tyger! Tyger! burning bright / In the forests of the night). Esta tradução, por si só, parece-me menos interessante do que a apresentada, ganha, no entanto, um especial sentido dentro do contexto da língua e cultura portuguesas. A referência à metáfora camoniana, Amor é fogo que arde…, introduz um jogo semântico que revoluciona a compreensão de todo o poema de W. Blake. A predicação (fogo que arde) comum aos dois processos metafóricos (Amor é fogo que arde…; Tigre! Tigre! fogo que arde) permite fazer um curto-circuito interpretativo e apresentar o próprio tigre como uma metáfora do amor, e dessa forma ler de uma outra maneira o poema do autor romântico inglês. Prefiro a tradução de burning bright por ardência luminosa, mas traduzir por fogo que arde não deixa de abrir caminhos de leitura bem interessantes, nomeadamente para uma leitura que ponha em tensão o poema de William Blake com o de Camões. A literatura não é outra coisa senão este jogo de viagens intergalácticas.

1 comentário:

asymptotos disse...

Por que não "lume ardente"? Afinal "burning" está em uma posição tipicamente de adjetivo e esta opção mantém um certo lirismo.