Avaliação e mutilação da vida
É inevitável, assim, que a avaliação, como um diagrama transversal a toda a sociedade, tenda a transformar todas as relações humanas em relações funcionais de poder. O preço pago por esta tecnologia biopolítica é, evidentemente, a mutilação de uma vida mais rica, a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório, do acaso, da imprevisibilidade. Como estes serão também transformados em funções — a famosa «criatividade» no trabalho, nas empresas, nos serviços, na publicidade, nos média —, os próprios factores aparentemente incodificáveis serão avaliados, quantificados, normalizados.
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Em Busca da Identidade é o último ensaio de José Gil sobre o ser português. O último capítulo, "A avaliação e a identidade", é uma reflexão sobre a questão da avaliação e o seu rebatimento na formação da subjectividade e da identidade. Essa reflexão tem como núcleo central a iluminação daquilo que se esconde por detrás da avaliação de professores, introduzida pelo governo ainda em funções. E o que está em causa efectivamente, não é melhorar o sistema de ensino, mas aquilo que José Gil diz neste excerto, "a mutilação de uma vida mais rica, a diminuição brutal dos possíveis, a restrição do aleatório, do acaso, da imprevisibilidade." O processo não visa produzir professores cultural e existencialmente mais ricos, mais bem preparados, mas o contrário. Mutilar a vida dos professores como caminho para mutilação da vida dos alunos. É isto que está em causa e não mais do que isto.
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