27/09/09

A 2 euros


Depois de cumprir o dever cívico e de ter entregue o meu voto à sabedoria das urnas, passei pela avenida marginal, de Torres Novas, e deparei com a Feira de Velharias, se este é ainda o nome do evento. Acabei por parar e ir ver como estavam as modas. Não estavam mal. Por dez escassos euros comprei cinco livros, em condições mais do que aceitáveis, todos eles, ou quase todos, sem que alguma vez uns olhos tenham pousado sobre o campo lavrado das suas letras (estes dias eleitorais transtornam-me o cérebro). Cheio de orgulho patriótico, pelo dever cumprido, adquiri a obra principal do filósofo Fernando Gil, Mimésis e Negação, os ensaios sobre literatura, cinema e teoria literária, A Mecânica dos Fluidos, de Eduardo Prado Coelho, os estudos, de Ana Hatherly, sobre textos-visuais dos séculos XVI e XVII, denominados A Experiência do Prodígio, o romance O Deus das Pequenas Coisas, de Arundhati Roy e as Cartas Familiares, de D. Francisco Manuel de Melo.

Há muitos motivos que me levaram a comprar estes livros. Sim, o preço foi um deles. Mas houve outros que não esse ou o seu conteúdo. Por exemplo, os títulos. Com a excepção do livro de D. Francisco Manuel de Melo, que belos títulos têm. No romance de Arundhati Roy, para além do belíssimo título, a fotografia da autora, ainda mais bela que o título do livro, não deixou de ter o seu peso no esportular dos dois euros. No improvável livro que reúne a epistolografia familiar de Francisco Manuel de Melo, o que me terá cativado? Não o título, claro, mas esta pequena carta, a 368, carta dirigida a um parente moço que se partia para a guerra, encontrada ao acaso quando desfolhava o livro: "P. I. Ide com Nosso Senhor. Lembrai-vos sempre dele e de quem sois. Falai verdade. Não aprofieis. Perguntai pouco. Jogai menos. Segui os bons. Obedecei aos maiores. Não vos esqueçais de mi. E sede embora Plínio Júnior, que se tudo isto fizerdes, ainda sereis mais. Deus vos leve, defenda e traga. Torre, sábado."

O verbo aprofiar, caído em desuso, pelo menos com esta grafia, e já fora dos dicionários, Houaiss incluído, seria o suficiente. Comprar uma palavra por dois euros é um belo negócio.

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