Demonstrativos
Quando escrevo poesia dou comigo a encher o poema de demonstrativos. Este, esse, aquele, contracções entre a preposição de e os demonstrativos, etc. É como se um impulso vindo do inconsciente, daquilo que há mais fundo em mim, quisesse falar e mostrar o que sou. Um falso poeta, onde a voz da filosofia, ou da dogmática filosófica, vem sempre ao de cima, como se um verso pudesse ser a conclusão de um silogismo. Esta voz da demonstração é uma voz da razão imperativa, tão imperativa e tão determinante que, mesmo no delíquio do metaforizar, encontra caminho para se fazer ouvir. Ou talvez seja ainda pior, o resto de um velho instinto, enfraquecido pelo torpor, para ordenar o mundo, um instinto político. Acabado o poema, fico sempre com o trabalho de exterminar os demonstrativos, como se disfarçasse os instintos mais arcaicos e reprováveis.
1 comentário:
Pois é. De facto, «este mar» não é um mar qualquer, é «este», que eu designo e, ao designá-lo, arrumo-o no canto da razão. Como se o mar coubesse na razão. Enfim, seria pior um possessivo, «o meu mar», como se o mar fosse alguma vez meu. Manias que temos que «aprisonar» as coisas.
Contudo, e como nota de humor,antes os demonstrativos do que os advérbios, em especial os acabados em -mente. Imaginine-se:
Mar,que «alegadamente» és mar...
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