Os homens da luta e a inquietante estranheza
Das Unheimlich é um termo alemão que fez fortuna a partir de um artigo homónimo de Sigmund Freud. Unheimlich traduz-se por inquietante estranheza. É algo que é, ao mesmo tempo, excessivamente familiar e desconhecido. Poderíamos dizer que é aquilo que sendo tão familiar se tornou desconhecido. Quando emerge, porém, provoca o pavor. É assim a manifestação do que se recalcou, e essa manifestação resulta de uma espécie de quebra da nossa descrição causal do mundo. Perante a a manifestação desse qualquer coisa a reacção é de uma inquietante estranheza, como se algo se viesse abater sobre nós.
Perante a irrupção de Neto e Falâncio, os "homens da luta" de megafone em riste, foi certamente isso que aconteceu aos dirigentes socialistas e a Sócrates. A emergência do recalcado. Aquelas figuras não faziam parte daquele lugar nem deste tempo. Mas ali estavam, ridículos e rascas, com o megafone na mão e viola em punho. A boa consciência não gosta deste tipo de humor selvático, quase dionisíaco, e isso manifestou-se nos comentários na imprensa e nos blogues. Mas este tipo de humor é muito mais radical do que aquele que agora é incensado. A radicalidade funda-se numa estranheza inquietante que nos traz um mundo que preferíamos não ver, o mundo que afundámos no inconsciente. Enquanto o humor eleitoral dos Gatos visa iluminar as personalidades, este tipo rasca de humor visa pô-las em causa. O discurso de Sócrates sobre a tolerância é, naquelas circunstâncias, absolutamente patético e, nesse seu pathos, absolutamente risível. Aqueles não eram seus rivais políticos, aqueles Neto e Falâncio nasceram da cratera que se abrira na sua própria personalidade perplexa perante a manifestação do recalcado. Aquele humor não provoca riso, provoca medo. E é o medo que fala quando se comenta com desdém a proeza dos humoristas. Mas o facto é que, contrariamente a outros, despertaram o cómico e o risível.
2 comentários:
É um género de humor que não me toca, não me faz rir e talvez sim, me provocasse medo. Faz-me lembrar aquele horrível grupo de comediantes que assombram a noite mais mágica de sempre de Gustav von Aschenbach e Tadziu, no filme de Visconti.
Concordo com o teor do post..
Os manos Duarte já há muito fazem este tipo de humor, mais "corrosivo" e inconveniente para a sociedade portuguesa nada habituada a estas coisas (note-se que não acho piada a alguns gags e confrontações de rua que eles fazem mas se a memória não me é curta o humor nascido com o Herman também chocou Portugal na década de 80).
"Os homens da luta ficaram incómodos para os poderes estabelecidos (na imprensa televisiva quero eu dizer) quando se bateu com o martelo sapiente na bancada e os retiraram da sicradical mas, algo que até a mim me confunde sobreviveram, agora nos videos do sapo.
Não é humor aceite (como muito bem referiu, nada semelhante aos gatos que ferem suavesuavemente e esmiuçam, mas dentro da esfera de interesses e curiosidades, e está para se fazer a análise do que este programa esmiuçador vai provocar nas urnas - é ver os candidatos correr para dar ao eleitor uma "outra" visão do(a) mesmo(a)).
Só tenho pena que tenha tido tanta mediatização a intervenção deles no Seixal, porque certamente as futuras e já combinadas "entradas dos homens da luta" nas campanhas dos outros partidos seriam curiosas de vÊr.
O país não está preparado para este humor, oprime-o e silencia-o..é assim.
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