15/09/09

Liturgia dramática

Esta liturgia, apesar de cansativa, não deixa de ser dramática. Contrariamente ao que por aí se pensa, o PCP é um partido exactamente igual aos outros, composto por seres humanos como os outros, com defeitos e virtudes idênticos aos dos membros dos outros partidos. No entanto, há nele toda uma manobra de ocultação e de dissimulação. Os militantes comunistas fingem não ter aspirações individuais, nem ambições pessoais, fingem não querer deter o poder ou ser reconhecidos como chefes, a não ser que uma qualquer entidade mágica, talvez um Espírito Santo materialista, os indique para tal. Quando isso não acontece, ou aguardam uma nova decisão do Espírito Santo ou saem da organização. Mas por isso, quando há militantes que saem do partido, tal como acontece agora com Domingos Lopes, nunca invocam motivações pessoais. Precisam de toda uma rábula ideológica para baterem com a porta, como se estivesse em causa uma decisiva doutrina teológica que pudesse salvar ou condenar o mundo à perdição ou salvação eternas. Domingos Lopes não sabia há muito tudo o que indica na carta de despedida? A única coisa que está em causa é que perdeu. Outros foram mais fortes e mais consequentes na administração das suas ambições. Ambições, sim. Porque estas não são apenas aquelas que fazem parte da panóplia de ambições do burguês. Ser chefe, ter voz, ser reconhecido como líder, etc., fazem parte das ambições humanas que estão por detrás da militância comunista e de todas as outras. Como a luta das subjectividades, dentro de uma organização comunista, é disfarçada pelo putativo interesse do colectivo, cada vez que um derrotado sai, parece que o mundo vai acabar, parece que o que está em jogo é de uma tal importância que ele não pode fazer outra coisa senão abandonar, com sentimento de traição, mas com a consciência do dever de denúncia cumprido, os seus camaradas, efectivamente inimigos. No fundo, um apóstata nunca se reconhece como autor da apostasia. São sempre os outros, os que ficam, os verdadeiros apóstatas. Dizer isto não significa dizer mal dos comunistas. Significa apenas integrá-los na família humana a que eles pertencem, com as suas ambições, desejos recalcados, silêncios, interditos, vitórias e derrotas pessoais. Estulta é a pretensão de que não são exactamente pessoas como as outras. Adenda: as reacções mostram bem o sorriso de quem ganhou. É a vida.

1 comentário:

Tiago R. disse...

Como militante comunista que sou não me foi fácil ler o que escreveu.
Mas não consigo negar que me identifico com a sua inteligente análise.
E com a beleza da escrita também!