12/09/09

Envelhecer

No outro dia acabei por fazer 53 anos. Em dias como esses, sempre surge, insidiosa, a pergunta sobre o que é envelhecer. Envelhecemos quando o nosso discurso se torna completamente metonímico. Indisciplinada, a mente pensa por contiguidade, a essência da metonímia, associa os assuntos, as ideias, os conceitos uns com os outros por essa relação de lateralidade. Mas um exercício de censura, socialmente exigido, leva-nos a que o discurso se foque num objecto e siga nessa focalização. Envelhecer mata a censura e liberta a manifestação metonímica do discurso. Sub-repticiamente começa-se a falar com os outros, deixando o discurso deslizar de assunto para assunto, num encadeamento que ameaça ser infinito. Eis os primeiros sinais, o triunfo da contiguidade metonímica da fala sobre o encadeamento lógico da comunicação. Envelhecer é o triunfo da contiguidade sobre a fixidez de uma posição, a transição do discurso do elemento sólido para o elemento líquido. Liquefeita a fala, encerramo-nos nela. Envelhecer é ficar cerrado na liquidez interminável da fala. É assim que me vejo já. [12 de Setembro de 2009]

2 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Aprecio bastante essa ideia de passares do estado sólido para o estado líquido. Digamos que, neste sentido, a velhice faz-te liquidamente acordar de um longo e sólido sono dogmático.

Por outro lado, deixas de estar preso a rígidos encadeamentos lógicos e a ilusórias relações de causalidade, passando a relacionar as coisas apenas com base na noção contingente e meramente factual de lateralidade.

Deixando agora a epistemologia e passando então à política, este processo de liquefação significa de uma vez por todas o teu abandono dos "ismos", incluindo os "francesismos" e a passagem a um líquido modelo liberal onde tudo flui como no rio de Heraclito que, segundo o teu inimigo de estimação Popper, era tudo menos um liberal.

Quando, depois, perceberes que também não era isto que querias, já será tarde demais. Deverás estar para morrer ou, na melhor das hipóteses, sentado todo o dia numa cadeira como uma empregada a levar-te a sopinha à boca depois de te ter dado banhinho.

Apesar de atrasados, os meus parabéns!

JR

Jorge Carreira Maia disse...

O modelo liberal faz parte do liberalismo, logo de um "ismo", de que me deveria libertar. Bem, ainda não estou assim tão velho que não seja um vigilante da lógica. Já agora, não sou inimigo do Popper, apenas penso que ele é muito mais superficial do que aqueles que ele critica. Obrigado pelos parabéns.