24/09/09

Arruada



Qual a essência da campanha eleitoral? Essência, mas que palavra é essa? A essência é aquilo que faz com que uma coisa seja o que ela, é aquilo que determina a natureza de uma coisa. Assim, também uma campanha eleitoral tem, enquanto coisa que suportamos, a sua essência. Durante muitos anos ela esteve escondida, mas nesta campanha, mais do que em outras anteriores, a coisa manifestou-se, ou então era eu que estava mais absorto. A essência da campanha eleitoral é a arruada. Precipitado, o leitor pensa que eu vou estabelecer ligação entre arruada e arruaça. Não vou. Quem fomenta arruadas não gosta de arruaceiros, pelo contrário. Admira a ordem que subjaz na arruada.

Se se fizer uma pesquisa lexicográfica (isto é, se consultar um dicionário), não descobre, por enquanto, a entrada arruada (fui ver ao Porto Editora e ao Houaiss), mas descobre outras coisas. Por exemplo, o verbo arruar, com o sentido de projectar ruas ou de passear por elas. O substantivo arruador como aquele que projecta ou alinha ruas, também o que passeia pelas ruas. Mas há um outro sentido para o verbo arruar. Significa soltar mugidos, grunhir. Aqui começo a ficar preocupado. O momento alto a minha preocupação chega quando o dicionário Porto Editora me diz que arruadeira é mulher que gosta de andar na rua, e também prostituta. Aquilo que se queria significar quando se usava a expressão eufemística mulher pública.

Como as arruadas eleitorais não estão ligadas ao projectar de ruas, nem a um mero passeio sem intenções segundas pela rua, como por norma arruadeiros e arruadeiras gostam de gritar quando vão em arruada, temo seriamente que o campo semântico da arruada inscreva em si o nobre acto de grunhir ou de mugir daqueles que querem ser homens e mulheres públicos. A arruada, como essência da campanha eleitoral, é o sintoma da degradação da política. Na arruada homens e mulheres públicos trocam promessas por votos, num mercado onde o ruído dos grunhidos é excessivo. É isto que está por detrás das coreografias dos comícios, dos slogans martelados pelos líderes, das voltas ao país para arruar em tudo o que é sítio. Não há autoridade nenhuma que possa proibir o uso de certas palavras? Por uma questão estética, claro.

3 comentários:

Feliperas_França disse...

Olá, Jorge Maia. Gosto da sonoridade e também já pesquisei o significado de "arruar". Bom saber que não fui o único. Esta palavra , aqui no Brasil, está em desuso.

Deixei "arruar" no alerta do google, pois fiz uma música com um amigo onde buscamos resgatar tal verbo. O CD com a gravação em estúdio sai em janeiro. A música será trilha de um longametragem chamado "No Olho da Rua" com lançamento previsto pra 2010.

Resolvi comentar sua postagem a título de curiosidade para que você conheça a música. Chama-se "Canto de Arruar". Tem uma versão tocada ao vivo no YouTube com letra na descrição.

Abraço e boas postagem para o seu mundo!

Carlos Amaral disse...

O Dicionário Priberam inclui a palavra arruada.

Aristes disse...

Não é neologismo, é até relativamente antiga, mas como se diz num comentário caiu em desuso. Ver aqui:
Arruada, neologismo nojento?
Ou ignorância e sectarismo de VPV?