18/03/09

SIDA, sexo e abstinência


Há na Igreja Católica uma estranha limitação da inteligência naquilo que diz respeito à sexualidade. O Papa retomou a questão do preservativo e dele não ser solução para combater, em África, a propagação da SIDA. Contrapõe a abstinência sexual como modo eficaz de luta. De facto, tem alguma razão. Se deixar de haver relações sexuais, logo deixa de haver perigo de contágio por via sexual. Do ponto de vista lógico, o raciocínio é exemplar. O problema, porém, é a SIDA não ser uma questão lógica, uma espécie de erro de raciocínio ou de falácia formal. O pensamento da hierarquia da Igreja Católica sobre o assunto é que se tornou falacioso. O que irá na cabeça destas pessoas, pessoas inteligentes como Ratzinger, para achar que os africanos, ou outros quaisquer, se irão dedicar à abstinência e o mundo inteiro se tornará num universo de auto-castrados? O preconceito sexual da Igreja é tão forte que esquece um dos seus ensinamentos essenciais: o homem é um ser caído, logo pecador. Essa é a sua natureza. Esperar que o mundo se converta à abstinência é a mesma coisa que esperar que nasçam laranjas nos postes de electricidade. Não lhes está na natureza. Portanto, há que lidar com a realidade tal como ela é. O dever de todos, Igreja Católica incluída, é aconselhar uma sexualidade responsável, chamando à atenção para a sua dimensão ética e para a responsabilidade de cada um perante o outro.

Há ainda outra coisa que me deixa perplexo. Eu posso compreender que certos indivíduos possam viver a sua sexualidade através da abstinência. Esta não é uma assexualidade, mas uma sexualidade activamente não consumada. Posso respeitar essa opção, posso mesmo admirá-la. Não posso, porém, querer que ela se torne em lei universal da natureza humana, pois isso arrastaria o fim da própria humanidade (basta ler Kant para perceber a imoralidade da universalização da abstinência). Além do mais, há qualquer coisa de ímpio nesta posição da Igreja. Não me estou a referir ao facto do seu discurso poder fomentar a propagação da doença. Estou-me a referir à tentativa desesperada em pôr fim às artimanhas do desejo, que empurram continuamente os indivíduos para a sexualidade. Mas não terá sido isso que o Criador terá querido? Não estaria ele interessado que a vida humana se propagasse? Não terá sido por isso que o ser humano foi dotado de um desejo irresistível pelo sexo, de forma a que a vida vencesse as limitações que a natureza ou a razão lhe querem impor? Em última análise, não seria melhor a Igreja deixar Deus e o pecado fora do assunto? Que se saiba Deus ainda não explicou qual a melhor forma de tratar da SIDA.

5 comentários:

maria correia disse...

Gostei de ler, bem escrito e pensado e com humor...ah, é verdade!Faltava a famosa frase divina: «Crescei e multiplicai-vos!»

Alice N. disse...

Totalmente de acordo.
Contrariando, estranhamente, o preceito "crescei e multiplicai-vos", talvez o Papa sonhe com uma abstinência global. Isso não nos aproximaria de Deus, mas tornar-nos-ia mais próximos dos homens da Igreja...

É estranho que o Papa defenda a abstinência como solução para a propagação da SIDA, mas mais grave é ter afirmado que a distribuição de preservativos só poderá piorar a situação. Piorar!?

Parece-me que, para a Igreja, o problema da distribuição de preservativos reside no facto de as pessoas poderem viver melhor e mais livremente a sua sexualidade. Que o Papa defenda princípios morais na vivência da sexualidade, compreendo, mas que atribua efeitos nocivos ao preservativo, é inaceitável e perigosamente irresponsável.

Por estas e por outras é que muita gente não se revê na Religião Católica e as igrejas estão cada vez mais vazias...

Alice N. disse...

No comentário anterior, onde digo "como solução para a propagação da SIDA" quis dizer "como solução para impedir a propagação da SIDA".

Anónimo disse...

Vale a pena conhecer de perto a África e o problema grande que é a Sida. De facto, os principais transmissores do virus HIV, em África, são os enfermeiros (porque médicos são raros), os professores e os polícias. Talvez por aqui já se perceba melhor o papa. O problema é de educação: tem de se ensinar aquela gente de lá e alguma de cá a viver a sexualidade com responsabilidade (isto é, como diálogo de amor etre dois sujeitos iguais e livres) e amar uma mulher e não abusar das mulheres.
O "crescei e multiplicai-vos" não é possível com abstinência, mas também não se realiza com fibras.
O preservativo faz sentido num diálogo sexual entre duas pessoas livres, iguais, responsáveis e capazes de amar.
Os discípulos de Cristo não são macambúzios que defendem a abstinência sexual como se fosse se o sexo fosse mau em si mesmo.
Maus e perversos somos nós quando nos fodemos uns aos outros em vez de nos amarmos uns ao outros.
A Sida é um grande problema de falta de educação, basta ir ao interior de um país africano e percebe-se logo isso.
O sexo se não é expressão de amor comprometido, sério, adulto, responsável, livre, então não é nada; é abuso e doença.
O uso do preservativo como única ou imediata medida de combate à Sida não resulta.
Abramos os olhos. O povo africano precisa de pão, educação, saúde, respeito, igualdade, liberdade...
Nós estamos longe daquela realidade; nem nos apercebemos do ridículo e insulto que é ir para lá distribuir magalhães socretinos e alarga a banda, quando o povo não para comer nem casa para se abrigar.

Anónimo disse...

Caramba ! começo a achar irritante esta patológica necessidade de todos se sentirem amparados pelo Papa, explico melhor, o Papa fala no perigo que é para a humanidade o enaltecer da homossexualidade e lá vêm as LGBT's do mundo queixar-se, o Papa defende que resumir o combate á Sida ao uso de preservativos é condenar os Africanos e lá vêm os de sempre morder, deturpar e ignorar. Confesso que não me incomodam nada os ditames morais do Sr. Khatami, ou de qualquer cujas orientações eu não tenha escolhido para regerem a minha vida.
O Papa é pedra principal dos Cristãos Católicos crentes na Igreja Católica Apostólica Romana, para estes as palavras encíclicas e homilias papais têm importância, curioso é olhar para um mundo tão avançado que renegou a Matriz cristã do ocidente e que depois espera ser abençoado sem cumprir leis (mandamentos).
Hilariante.
Mais, em África falta tudo, uma ONG distribui preservativos num dia, nodia seguinte uma parte está a ser vendida, outra foi roubada e alguma vai ser utilizada mas como não pode ser em continuidade acaba por ser inútil.
Importante é transformar comportamentos e não apenas dar borrachinhas num dia e depois deixar estar.
A propósito de um projecto de educação para a higiene para 1 país Africano alguém me explicava que não era funcional ensinar a lavar os dentes porque passado pouco tempo já ninguém tinha escova ou pasta e esse hábito caía, África é assim, é preciso olhar por dentro e não de forma ocidentalocêntrica!!!