12/03/09

Má sorte ser cronista

Tendo em atenção o post anterior, como vejo, passados quatro anos, aquilo que disse na referida crónica?

Afirmei: "O PS ganhou ao centro e formou um governo de centro-esquerda". É verdade, o PS ganhou ao centro, mas o governo, na governação, não teve um matiz de centro-esquerda, mas, no essencial, de centro-direita. Só em aspectos secundários é que o governo de Sócrates governou à esquerda. Primeiro engano do cronista, isto é, engano meu.

Afirmei: "O novo primeiro-ministro teve, após a vitória eleitoral, duas novas vitórias: deu credibilidade à formação do seu governo e formou-o com uma forte imagem de coesão e reformismo". A primeira proposição é uma constatação de facto. A segunda, de certa forma, foi confirmada em parte, o governo foi sempre coeso. Já o reformismo começou com muito ímpeto, mas logo se tornou difuso, para se tornar apenas numa imagem de propaganda. O reformismo não tocou no essencial. Meio engano.

Afirmei: "Boas notícias são Campos e Cunha nas Finanças e Manuel Pinho na Economia. Dois homens que vêm de fora do PS com uma imagem de grande rigor". Campos e Cunha desapareceu muito rapidamente, Manuel Pinho tornou-se um ministro absolutamente ridículo. Engano completo do cronista.

Afirmei: "O retorno de Mariano Gago à Ciência e Tecnologia e de Correia de Campos à Saúde são também excelentes notícias. " Afinal, Mariano Gago tornou-se num Ministro secundário, um gestor burocratizado dos feudos que pululam no ensino superior português. Hoje em dia não agrada a ninguém. Correia de Campos desapareceu em combate. Conseguiu alguma coisa? Sim, tornou as populações mais desprotegidas ainda mais desprotegidas. Aliás, esta foi uma marca do governo, nestes quatro anos. Novo engano do cronista.

Afirmei: "Na Educação, há, pelo menos, uma boa notícia: nem Ana Benavente, nem Santos Silva vão tutelar a pasta. Esperemos que a nova ministra seja insensível à demagogia e irresponsabilidade daqueles que estão empenhados em prosseguir o caminho de destruição do sistema educativo português". Errei claramente. Lurdes Rodrigues e respectivos acólitos são piores do que Ana Benavente e Santos Silva, coisa que já era extraordinariamente difícil. O sistema está desarticulado e falho de sentido e justiça internos. Parece que o lema é quanto pior melhor.

Afirmei: "Pede-se-lhe que faça aquilo que nenhum primeiro-ministro, antes dele, fez: cortar nos privilégios instalados, fomentar o reformismo inovador, equilibrar e dar coesão à comunidade nacional. Que seja ao mesmo tempo liberal na economia e social-democrata na concepção da comunidade política". O que aconteceu? Sócrates proletarizou os professores e as classes médias, foi politicamente maleável perante os verdadeiros privilegiados, fomentou uma aparência de inovação, cujo emblema é o Magalhães, tornou a comunidade nacional menos coesa. Nem foi liberal na economia nem social-democrata na concepção da comunidade política. No fundo, navegou à vista, sem quaisquer princípios orientadores sérios, sem plano sério para o país que não seja o de se fazer reeleger à custa da propaganda mais desbragada (de novo entra aí o Magalhães). Nova expectativa errada do cronista.

Concluí assim: "A Sócrates pede-se-lhe uma inteligência de Aristóteles e uma força de Hércules. Se as tiver, então um dia, quando se estudar a vida política da III República, falar-se-á em Sócrates e em pré-socráticos. Caso contrário, o socratismo não terá sido mais do que um sofístico equívoco." Só acertei no "caso contrário". De facto, Sócrates não passou de um caso contrário, um sofístico equívoco. Sem inteligência de Aristóteles, a força de Hércules só lhe serviu para perseguir os mais fracos.

Moral da história: o melhor é não ter expectativas sobre quem nos vai governar. A decepção está sempre garantida. Má sorte ser cronista.

3 comentários:

Anónimo disse...

Também te enganaste com o Vale e Azevedo, lembras-te?

O melhor é fazeres como o João Pinto do FCP. Prognósticos só no fim do jogo.

Jorge Carreira Maia disse...

Sim, embora, tanto quanto me lembro, esse texto era como este: uma exposição de expectativas. E também tinha o seu "caso contrário". Devo ter-me enganado em muitas coisas mais. Mas é um exercício curioso olhar para o que se escreveu há algum tempo e comparar com o que aconteceu.

maria correia disse...

E, com todo o respeito, só agora chega a essa conclusão, caro JCM?