19/03/09

Abertura da escola à comunidade - II



O meu post anterior, Abertura da escola à comunidade, gerou alguns comentários discordantes. Em primeiro lugar, será bom olhar para o estatuto disursivo do post. Ele é, claramente, um post crítico e caricatural. A caricatura é sempre hiperbólica, aumenta desconfortavelmente os traços daquilo que é caricaturado, mas tem a vantagem de dar a ver o que a visão normal não compreende. O efeito aumentativo, digamos assim, mostra o sentido das coisas.

Podemos afirmar que os acontecimentos passado na Escola Básica 2/3 de Silgueiros, Viseu, são o resultado directo das políticas do actual governo? Não, não podemos. Mas podemos dizer outra coisa. Podemos dizer que a forma como o actual governo tem incrementado a chamada abertura da escola à comunidade, na continuidade de anteriores governos, desprotege as instituições escolares perante estes acontecimentos. A escola é um território onde as famílias se movem, ou pretendem mover, como se estivessem em casa. Este mover-se como se estivesse em casa não é uma pura metáfora. Os valores provenientes das famílias, muitas vezes adversos ao ethos escolar, invadem e instalam-se na escola, devido ao papel atribuído pelo poder político (note-se bem) às famílias, dentro da escola. Quando se abre a escola à comunidade entram pessoas que pensam segundo o bem comum e o ethos escolar, mas também entram todos os outros com culturas adversas.

Este acontecimento, aliás como muitos outros, é um revelador do que significa abrir a escola à comunidade. Percebo que o problema não seja apenas português. Não o é. Mas isso não isenta de culpa aqueles que, em Portugal e nos países ocidentais, têm advogado semelhantes políticas. Essas pessoas têm nome, essas pessoas foram investidas nos mais altos cargos para tomar decisões. As decisões que tomaram foram erradas e, em vez de proteger a escola da sociedade, retiraram-lhe todas as defesas, deixando-as à mercê do arbítrio da comunidade. Essas pessoas que, no poder político fomentaram tais políticas, devem arcar com estes acontecimentos em cima dos seus ombros.

A escola não é um lugar como os outros, pois o que se pretende ali não é reduplicar a vida tal como ela acontece, mas preparar as novas gerações para integrar a comunidade, mas trazendo para essa comunidade o melhor, um conjunto de valores depurados pelo ambiente escolar, um conjunto de valores que, muitas vezes, devem contradizer as práticas e os preconceitos dessa comunidade. Um exemplo: na vida civil a honestidade é, hoje em dia, pouco apreciada. Na escola, deveria ser um valor indiscutível, um "dogma" do qual nenhum aluno pudesse duvidar, um preceito que deveria fazer tremer aquele aluno que pensasse fazer batota. Ora, se a escola se abre à comunidade, são os valores da comunidade que penetram na escola, pois a comunidade é muito mais forte do que a instituição escolar.

O meu post anterior nada tinha a ver com os professores e as sua reivindicações (muitos defendem, tragicamente, a retórica da abertura da escola). Tinha tudo a ver com os alunos, a sua defesa, a defesa das novas gerações. Como disse Hannah Arendt, é preciso proteger as novas gerações da sociedade e a sociedade das novas gerações. A abertura da escola à comunidade não faz uma coisa nem outra. É evidente, repito, que os acontecimento de Viseu não são associáveis directamente ao executivo. Mas este intensificou até ao paroxismo algo que já vinha do tempo do marcelismo, e que a democracia apenas incrementou, algo que destruiu aquela fronteira invisível que dizia a todos nós, etnias com culturas diferentes incluídas, que há uma diferença ontológica entre o espaço escolar e o espaço público onde decorre a vida civil. Essa fronteira invisível já era frágil, mas por acção do poder político, e não por qualquer movimento espontâneo da sociedade, essa fronteira já não existe. Por isso, aqueles que entraram dentro da escola de Silgueiros agiram com toda a naturalidade e espontaneidade, os portões da escola já não significam nada.

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