Manifestações argumentativas
Todos sabemos que uma parte do discurso político é puramente ociosa. Os políticos dizem coisas para preencher o espaço reservado à discursividade. Por norma, dizem idiotices políticas, coisas sem sentido. Veja-se o que disse o ilustre engenheiro, que a vontade de Deus (se a voz do povo é a voz de Deus, então a vontade do povo é a vontade de Deus) nos deu por timoneiro, nesta hora de barco à deriva (sinal seguro de que a divindade está apostada em que nos afoguemos), sobre a manifestação de ontem levada a efeito pela CGTP. Por exemplo, "Lamento que nessas manifestações não existam argumentos, mas apenas acusações e insultos. Lamento que organizações sindicais se limitem ao insulto e ao insulto pessoal, chamando-me mentiroso."
Para além da sua estratégia de autovitimização, estratégia muito a propósito que se vem a desenhar desde a nova eclosão do caso Freeport, devido aos manifestantes lhe chamarem mentiroso, o que eu acho notável é a propensão intelectual que o nosso engenheiro parece ter. Lamenta, sua Ex.ª, que na manifestação não haja argumentos. Portanto, José Sócrates deveria esperar que uma manifestação popular fosse uma espécie de emanação daquelas aulas universitárias que ele deve ter frequentado para se licenciar. Aulas onde alunos e professores se entregavam a longas cadeias de raciocínios, vigiados na sua validade lógica e verosimilhança retórica.
Eu já estou a imaginar aquela manifestação da CGTP não a gritar slogans (coisa que ocorre em todas as manifestações que há por esse vasto mundo), mas a desfiar argumentos, contra-argumentos, objecções e refutações. Carvalho da Silva não discursaria, mas avaliaria as melhores teses e respectiva argumentação, não do ponto de vista político e social, mas lógico-retórico. Eis o que faz entregar a direcção de um país a um engenheiro.
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