13/03/09

Antônio Delfim Netto - O fracasso da economia acadêmica

Para quem quiser perceber mais um pouco da crise financeira internacional, aqui fica um excelente artigo de Antônio Delfim Netto, antigo ministro brasileiro da Fazenda, e publicado na revista Valor:

Em 1609, Galileu Galilei, (1564-1642) depois de ter aperfeiçoado um instrumento construído um pouco antes por óticos holandeses, produziu uma luneta que chamou de “Perspicillum”. Com ela deu origem a uma revolução na astronomia. Por isso, a União Astronômica Internacional e a Unesco elegeram 2009 como o Ano Internacional da Astronomia. Qual é a profunda importância de Galileu? A resposta é simples, como nos informa o ilustre prof. Antonio Augusto Passos Videira (revista “Ciência Hoje”, jan./fev. 2009: 18): “Suas descobertas contribuíram para minar a primazia da concepção aristotélica do cosmo, baseada na beleza dos corpos celestes e na imutabilidade dos céus. Em longo prazo, suas ideias - sustentadas pela matemática, por medidas e por uma retórica afiada - ergueram uma visão do mundo na qual se buscavam leis para os fenômenos naturais”.

Mas qual a importância disso agora, há de perguntar-se, irritado, um daqueles economistas que se pensa portador da “verdadeira” ciência econômica? Eu também uso a matemática! A pequena diferença é que o seu “tipo” de conhecimento tem muito mais a ver com Aristóteles esteticamente matematizado do que com Galileu. Em lugar de tentar entender como funciona o sistema econômico, tenta ensiná-lo como deveria funcionar em resposta à beleza dos seus axiomas…

(…) Um grupo de oito importantes economistas (todos um pouco mais ou um pouco menos críticos, mas sem dúvida, competentes membros do “mainstream” e senhores da mais sofisticada matemática e econometria) acabam de publicar um trabalho, “A Crise Financeira e o Fracasso Sistêmico da Economia Acadêmica”(1). É um verdadeiro réquiem de corpo presente para a economia pré-galileliana, que foi dominante na última geração.

A síntese do artigo (em tradução livre) é a seguinte:

“A profissão dos economistas parece ter ignorado a longa construção que terminou nesta crise financeira internacional e ter significativamente subestimado as suas dimensões quando ela começou a manifestar-se. Na nossa opinião, essa falta de entendimento foi devida à má alocação dos recursos de pesquisa na economia. Fixamos as raízes profundas desse fracasso na insistência da profissão em produzir modelos que - por construção - ignoram elementos fundamentais que controlam os resultados no mundo dos mercados reais. A profissão falhou, lamentavelmente, na comunicação ao público das limitações e fraquezas e, mesmo, dos perigos que caracterizam os modelos de sua preferência. Esse estado de coisas deixa claro a necessidade de uma fundamental reorientação das pesquisas que devem ser feitas pelos economistas e, também, do estabelecimento de um código de comportamento ético, que exija deles o conhecimento e a comunicação (para o público) das limitações e dos maus usos potenciais possíveis de seus modelos”.

O final do trabalho é ainda mais preocupante:

“Acreditamos que a teoria econômica caiu numa armadilha de um equilíbrio subótimo, no qual o grosso do esforço de pesquisa não foi dirigido para as mais angustiantes necessidades das sociedade. Paradoxalmente, um efeito retroativo, que se autorreforça dentro da profissão, levou à dominância de um paradigma que tem base metodológica pouco sólida e cuja performance empírica é, para dizer o menos, apenas modesta. Pondo de lado os mais prementes problemas da moderna economia e fracassando na comunicação das limitações e das hipóteses contidas nos seus modelos mais populares, a profissão dos economistas tem certa responsabilidade na produção da crise atual. Ela falhou na sua relação com a sociedade. Não produziu tanto conhecimento quanto seria possível sobre o comportamento da economia e não a alertou dos riscos implícitos nas inovações que criava. Além do mais, relutou em enfatizar as limitações da sua análise. Acreditamos que o seu fracasso em sequer antecipar os problemas gerados pela crise do sistema financeiro e a sua incapacidade de prover qualquer sinal antecipado dos eventos que iriam se passar exigem uma reorientação fundamental dessas áreas e uma reconsideração de suas premissas básicas”.

Trata-se de um trágico “requiescat in pace”, não para a teoria econômica, mas para o “mainstream” pré-galileliano, que se apropriou dela com imensa irresponsabilidade. Podemos voltar agora à modesta e útil economia política?

(1) Os autores são David Colander, Katarina Inlesuis, Alan Kirman e outros.

1 comentário:

maria correia disse...

O protesto de Galileu, eppur si muove, deverá a partir de agora querer dizer também: «e, no entanto, o Homem existe»...ou seja,a economia tem de ser uma ciência virada para o bem-estar dos homens em toda a Terra e não girar «egocêntricamente» em redor de si própria e de algo tão abstracto como «o lucro». Ou seja, literalmente, o «governo da casa». De todos.