15/11/07

A vida simples de Miss Pearls


Na última visita a Miss Pearls, deparo-me com um post intitulado “A vida simples”. É um post simples, composto por três fotografias, das quais me apropriei, de forma indecorosa, da primeira. Esta, como as outras, não tem, em aparência, nada de especial, mas, mal entrei no blogue, o olhar ficou preso nela. Se me impunha correr por ali abaixo e ver o que por lá havia, qualquer coisa me puxava para a fotografia. Uma sensação de desconforto assaltava-me perante “a vida simples” que ali se mostrava. Não sei que rua é aquela, nem onde fica, nem quem lá mora. O mais certo é nunca ter passado por lá. No entanto, já vi e já percorri aquela rua milhares de vezes. Uma curva, a estrada empedrada, as casas brancas e já cariadas, os telhados desalinhados, o portão vermelho, as paredes salitradas, a erva a crescer pelos telhados, o cinzento das barras, as portas a cair para a estrada. Quantas vezes terei passado por sítios assim? Perscruto a fotografia como se esperasse uma ameaça. Nada acontece. Uma súbita revelação, porém, dá-se ao olhar e aquilo que se viu milhares de vezes e em milhares de sítios surge agora como uma essência depurada. Está ali tudo o que somos. O que vejo já não é aquela rua, mas o país. Um país que nos apressamos a esconder, que nos apressamos a esquecer, como se tivéssemos vergonha da simplicidade que nos instituiu, como se temêssemos a natureza que nos coube. Olho a fotografia, é um exercício de rememoração, uma ascensão ao mundo da verdade. O que ali está não é uma rua concreta, mas a ideia viva de um país que morre, que se desfaz, que se desfarela. Se, em vez de esquecer, houvesse a coragem de deixar o olhar correr por ali fora, talvez ainda fosse possível fundar alguma grandeza na mera simplicidade de uma simples vida.

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