Andei a fazer um MAPA
Não me apetece fazer nada. Não me apetece ler nem escrever. Dispenso ir apanhar sol para a rua. Ando há quase 24 horas com uma maquineta a tiracolo e uma braçadeira à volta do braço esquerdo, ligadas por um tubo de borracha. De vez em quando a braçadeira – apetece-me dizer a puta da braçadeira – começa a inchar e aperta-me o braço, é para medir a pressão arterial, disse-me a técnica cardiopneumologista. Era a isto que Heidegger chamava a questão da técnica. O médico cardiologista, outro técnico, mandou-me fazer um MAPA. Ainda pensei que ele estava enganado, que pensasse que eu era geógrafo, mas não. Um MAPA não é um mapa, um MAPA é uma monitorização (acabei de vomitar com a palavra) ambulatória da pressão arterial. Assim, vi-me agarrado à maquineta e toca de dormir com ela e com a braçadeira a apertar o braço e o braço a ver-se em palpos de aranha com tanta apertadela. Se pensa que a coisa fica por aqui está enganado. A técnica tornou-se humana e um MAPA a sério requer um diário. Sou obrigado a registar o que vai acontecendo.
O diário é uma grelha (até parece uma emanação do Ministério da Educação) que tem as seguintes entradas: Horas; O que sentiu; O que estava a fazer. Como pode perceber a coisa é mesmo da pesada: puro voyeurismo. Devo registar tudo? – perguntei. Não, respondeu a técnica, apenas o mais importante. Estão as instruções nas costas. Fiquei esclarecido. Por exemplo, se me levantar para ir ao WC – assim mesmo – durante o sono (não me levantei, partilho isto com todos) toca a registar a hora. Fiquei sem perceber se deveria nesse caso registar o que sentiria. Será que poderia informar os técnicos que teria sentido alívio? Bem, não pense que a coisa fica por aqui. Não fica. Se tiver o azar de fazer um MAPA e der uma queca (ter relações sexuais, como explicam as instruções para o doente – e eu a pensar que eles estavam só a ver se eu era doente, mas afinal já o sou) terá não só de o registar na coluna “o que estava a fazer”, como de escrever a hora e o que sentiu, se é que sentiu alguma coisa. Por mim, decidi-me pela castidade. Se durante a noite algum desejo inconsciente me alterou o estado de flacidez sexual não o sei e por isso não o registei para alívio da minha consciência. Sou um conservador. Fiquei-me pelas refeições e pelos medicamentos, mais umas trivialidades. Se queriam saber alguma coisa da minha vida sexual, enganei-os. Vão fazer MAPAS para o raio que os parta. Daqui a uma hora, vou tirar a maquineta e entregar à rapariguinha que é técnica o meu diário. Ao lê-lo, vai ter pena de mim. Que triste vida eu levo.
O diário é uma grelha (até parece uma emanação do Ministério da Educação) que tem as seguintes entradas: Horas; O que sentiu; O que estava a fazer. Como pode perceber a coisa é mesmo da pesada: puro voyeurismo. Devo registar tudo? – perguntei. Não, respondeu a técnica, apenas o mais importante. Estão as instruções nas costas. Fiquei esclarecido. Por exemplo, se me levantar para ir ao WC – assim mesmo – durante o sono (não me levantei, partilho isto com todos) toca a registar a hora. Fiquei sem perceber se deveria nesse caso registar o que sentiria. Será que poderia informar os técnicos que teria sentido alívio? Bem, não pense que a coisa fica por aqui. Não fica. Se tiver o azar de fazer um MAPA e der uma queca (ter relações sexuais, como explicam as instruções para o doente – e eu a pensar que eles estavam só a ver se eu era doente, mas afinal já o sou) terá não só de o registar na coluna “o que estava a fazer”, como de escrever a hora e o que sentiu, se é que sentiu alguma coisa. Por mim, decidi-me pela castidade. Se durante a noite algum desejo inconsciente me alterou o estado de flacidez sexual não o sei e por isso não o registei para alívio da minha consciência. Sou um conservador. Fiquei-me pelas refeições e pelos medicamentos, mais umas trivialidades. Se queriam saber alguma coisa da minha vida sexual, enganei-os. Vão fazer MAPAS para o raio que os parta. Daqui a uma hora, vou tirar a maquineta e entregar à rapariguinha que é técnica o meu diário. Ao lê-lo, vai ter pena de mim. Que triste vida eu levo.
2 comentários:
Oh, JCM...mais valia ter feito um mapa astral...pelo menos, ficaria a saber qual a conjunção planetária presente à data do seu nascimento.E era muito mais elegante...
Desta vez tive que me rir.É que eu também já fiz um MAPA
Enviar um comentário