Onde está o mal?
Ao ver esta fotografia, na edição que o Expresso dedicou aos grandes fotógrafos, qualquer coisa em mim tremeu. É uma fotografia de 1945, tirada na Alemanha. O Expresso dá-lhe o título, não sei se provirá do autor, o fotógrafo Cartier-Bresson, “Colaboracionista identificada”. E depois pespega-lhe a seguinte legenda: “No campo de concentração, já libertado, de Dassau, o fotógrafo capta o momento em que uma mulher reconhece a sua delatora, que está a ser interrogada, e avança para a agredir perante o olhar de outros ex-prisioneiros”.
A minha perplexidade centrou-se numa pergunta que de imediato me acudiu ao espírito: onde está o mal? Num primeiro momento, tudo é simples. A delatora, aquela que estava do lado dos algozes nazis, representa o mal. Toda uma narrativa didáctica se poderia tirar dali: a delação não compensa, chegou o momento da vítima fazer justiça perante os olhos, por vezes irónicos, das outras vítimas.
O problema é que eu não sei quem é ali a vítima. Por vezes, chegam-me imagens do Portugal de 74, parecidas com estas. Arrepio-me com a simplicidade com que na altura eu olhava para os acontecimentos. Onde estavam as vítimas? Não quero com isto dizer que os sicários nazis e os delatores não fossem culpados, sumamente culpados, não quero dizer que, em Portugal, o regime ditatorial e os seus homens não fossem culpados. Mas na altura em que perdem, tornam-se tão indefesos como o eram aqueles a quem eles perseguiram.
A minha perplexidade centrou-se numa pergunta que de imediato me acudiu ao espírito: onde está o mal? Num primeiro momento, tudo é simples. A delatora, aquela que estava do lado dos algozes nazis, representa o mal. Toda uma narrativa didáctica se poderia tirar dali: a delação não compensa, chegou o momento da vítima fazer justiça perante os olhos, por vezes irónicos, das outras vítimas.
O problema é que eu não sei quem é ali a vítima. Por vezes, chegam-me imagens do Portugal de 74, parecidas com estas. Arrepio-me com a simplicidade com que na altura eu olhava para os acontecimentos. Onde estavam as vítimas? Não quero com isto dizer que os sicários nazis e os delatores não fossem culpados, sumamente culpados, não quero dizer que, em Portugal, o regime ditatorial e os seus homens não fossem culpados. Mas na altura em que perdem, tornam-se tão indefesos como o eram aqueles a quem eles perseguiram.
Esta fotografia não me fala da prisão de uma abjecta colaboracionista, nem do exercício de uma qualquer justiça, metafísica ou popular. Fala-me do horror de estar em minoria, do horror que é perder. Fala-me do horror da humanidade, daquela que está do lado moral e historicamente mau, mas também daquela que por vezes está do lado bom. A fotografia fala do horror da vingança, fala da tristeza e da pequenez que habita a nossa humanidade, fala da vergonha que deveríamos todos sem excepção ter, e que não temos. Olho a fotografia e pergunto, onde está o mal. O mal está em todo o lado e cuida de nós.
1 comentário:
Você disse onde está o mal: todo prazer na revanche é um mal, a falta de perdão é um mal; todo ser castigado merece compaixão. É tolice acreditar na vingança, ela não traz a paz, é amarga. Perdoar de coração purifica a alma, nos faz esquecer o passado e em algum momento sorrir alegremente por qualquer coisa boa.
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