George Steiner - A Ciência Terá Limites?
(...) A pergunta que Steiner trouxe – foi ele que propôs o tema à Gulbenkian – é inquietante: será que um dos mais sólidos pilares da civilização ocidental, a confiança no progresso ilimitado do conhecimento científico, pode ser, afinal, uma piedosa ilusão? (...) Steiner não ignorou estes argumentos (metafísicos e éticos), mas não foi neles que fundamentou a sua convicção de que estaremos a assistir a “indícios sérios de que a teoria e prática científicas estão a bater contra paredes, contra limitações que podem vir a revelar-se insuperáveis”. Baseando-se nos testemunhos de cientistas, Steiner acredita que quer a exploração do macrocosmo estelar, quer a investigação do microcosmo das partículas pode estar a atingir, digamos assim, o seu limite técnico.
Nenhum concebível aperfeiçoamento dos sucessores actuais do telescópio e do microscópio poderão, segundo crê, aumentar muito mais a fatia do universo que nos será dado conhecer. “Inumeráveis galáxias repousam para lá do horizonte de qualquer potencial observação”, diz Steiner, que garante ter ouvido físicos admitir que também “a observação microscópica está a aproximar-se dos seus limites”. Se estas suspeitas se comprovarem, acrescenta, “as consequências epistemológicas e psiocológicas serão incalculáveis”.Perante estes condicionalismos, o conferencista acha que especulações muito em voga na Física, como a alegada existência de um número ilimitado de universos paralelos, caem na categoria da mística.
Mas não são apenas as limitações técnicas, instrumentais, que, segundo Steiner, fazem recear uma crise da ciência. O ensaísta acha que outro dos principais obstáculos a um progresso científico genuíno pode vir da crescente hiperespecialização dos cientistas, que começa a impossibilitar a comunicação mesmo entre investigadores que trabalham em domínios muito próximos. E Steiner lamenta ainda muito particularmente o fosso que se cavou entre os cientistas e as comunidades a que pertencem, quer porque os primeiros “ainda não perceberam que têm mesmo de gastar algum do seu tempo a tentar estabelecer essa ponte”, quer pela complacência das sociedades ditas desenvolvidas com o assustador grau de “inumeracia” da quase totalidade dos seus habitantes. As implicações desta ignorância são, defende, “desastrosas”, já que muitos dos avanços em disciplinas como a biologia molecular, a bio-genética, ou a neuroquímica vão afectar a existência pessoal e colectiva de forma crucial. Steiner acha que a saída está no ensino, desde os primeiros graus de escolaridade, e acredita que é possível estimular as crianças para a matemática.
O tema entusiasma-o tanto que, a dado momento, exortou mesmo a assistência: “Tragam-me cinco alunos de meios desfavorecidos e eu mostro-lhes.” Mas também defende que só é possível esperar esse papel dos professores se estes forem bem pagos e recuperarem o seu prestígio.
Às limitações técnicas e à especialização excessiva, Steiner acrescenta ainda outro motivo de preocupação, que na verdade foi oficialmente formulado em 1931, mas que só agora começa a ser seriamente ponderado em todas as suas consequências: os teoremas de Gödel, que postulam que nenhum sistema pode fundamentar-se a si próprio e que, “em todos os sistemas, haverá sempre proposições que não podem ser validadas nem negadas”. Segundo Steiner, os teoremas de Gödel impugnam, designadamente, a possibilidade de uma teoria unificada, como a que Stephen Hawking chegou a prometer.
O ensaísta terminou com um sinal positivo, afirmando não acreditar que estes e outros sinais que considera inquietantes impeçam a ciência de continuar a produzir descobertas relevantes e a encontrar novas aplicações para o que descobre. Mas admitiu que não é tranquilizador pensar que “20 milhões de americanos acreditam que Elvis Presley se levantou dos mortos”, ou que “financeiros de Wall Street dispõem os móveis dos seus ecsritórios sob a orientação de especialistas de animismo pseudo-oriental”, ou que a mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair “usa amuletos contra os raios cósmicos”.
Luís Miguel Queirós, O progresso da ciência pode ter um fim? Público, de 26/10/2007
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