O erro
O que, não obstante, tão intensamente me oprime é que uma pessoa com uma tal capacidade de apreensão como era a minha mulher, com todo o enorme saber que eu lhe transmiti, tenha morrido e tenha, portanto, levado consigo na morte esse enorme saber, isso é que é incrível, essa incrível enormidade é ainda mais incrível que o facto de ela ter morrido, disse ele. Nós enchemos uma pessoa assim com tudo o que tiramos de nós e essa pessoa abandona-nos, é-nos roubada pela morte, para sempre, disse ele, e a isso acresce a sua forma abrupta, o facto de não termos previsto a morte dessa pessoa, nem um só momento previ a morte da minha mulher, olhava-a como se ela tivesse uma vida eterna, nunca pensei na sua morte, disse ele, como se ela vivesse realmente com o meu saber pelo infinito fora como infinito, segundo as suas palavras. De facto uma morte precipitada, disse de. Tomamos uma pessoa dessas para a eternidade e aí é que está o erro. Se eu tivesse sabido que a morte ma levaria, teria procedido de forma completamente diferente, mas não sabia que ela iria morrer antes de mim e agi de uma maneira inteiramente absurda, como se ela existisse infinitamente pelo infinito fora, quando ela não tinha sido feita para o infinito, mas sim para o finito, como todos nós. Só quando amamos uma pessoa com um amor tão irreprimível como aquele com que eu amei a minha mulher, acreditamos de facto que ela viva eternamente e pelo infinito fora. [Thomas Bernhard, Antigos Mestres - comédia. Tradução de José Palma Caetano, Assírio & Alvim]
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É sempre espantado e deslumbrado, perdoe-se-me o excesso vocabular, que leio Thomas Bernhard.
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