08/01/10

A democracia nas escolas

(Foto retirada daqui)

O Zé Manel Trincão Marques, no comentário que faz ao post Poder de proximidade, deixa, em post-scriptum, a seguinte questão: Valerá a pena aprofundar a democracia nas escolas? Não é esta a questão substancial do seu comentário (a essa voltaremos mais tarde), mas é uma questão que vale a pensa pensar.

Colocaria o problema do seguinte modo: a escola é uma instituição democrática? Se a escola for uma instituição democrática, então tem sentido falar em aprofundar a democracia. O problema, porém, é que a escola não é, no seu funcionamento interno, uma instituição democrática, ou sequer uma espécie de República. Os vários agentes não são todos iguais e, contrariamente ao que se passa na esfera política, a diferença de funções implica também a diferença de direitos e de deveres. Por outro lado, a escola deveria ser uma instituição regulada pelo princípio aristocrático. Os melhores deveriam governá-la e orientá-la na persecução do seu bem próprio: a transmissão e aquisição do currículo prescrito pela decisão política da comunidade. Para servir a democracia (educando o melhor possível os futuros cidadãos) a escola não precisa, nem deve ser democrática. O mesmo se passa, por exemplo, com o exército, as forças de segurança ou a universidade. Democráticos devem ser o acesso à escola e as oportunidades para aprender.

Sendo assim, por que razão pareço simpatizar, no referido post, com o antigo método de escolha dos conselhos executivos? Apenas e só por razões negativas. Em primeiro lugar, porque a forma como são escolhidos actualmente os directores (eleitos por uma espécie de câmara corporativa local) os torna muito frágeis perante os poderes fácticos existentes e que começam a colonizar as escolas. Em segundo lugar, porque no actual estado de coisas, o poder dos directores e aquele que eles agregam à sua volta (por vezes, bem mais problemático do que o dos directores) acabará por cilindrar o que de melhor se faz na escola. Estando um director à mercê dos professores, como acontecia anteriormente (coisa que parece sem sentido), havia a possibilidade dos professores interessados em fazer coisas mais sérias, e contra o rumo niilista que se segue na educação, encontrarem espaço nas escolas para o fazer. Este novo modelo de gestão visa arrasar a diferença, impondo uma bitola marcada pelo eduquês e submetendo os melhores professores a uma visão medíocre do que é a educação. A avaliação serve para a gestão vigiar os melhores professores e não para punir os piores. A coisa ainda não é clara, mas basta perceber o que é importante, para antever onde se chegará. Vamos dar tem ao tempo.

Não faz muito sentido, então, falar em aprofundar a democracia nas escolas. O que faz sentido é pensar como reorientar as escolas para o que é essencial: transmitir o currículo prescrito nacionalmente e fazer com que os alunos o adquiram. A democracia, um método de decisão política, não é aqui chamada para nada.

7 comentários:

Anónimo disse...

Hoje, ao terminar do dia, em conversa com um colega, concluíamos precisamente que quando algo vai mal com os alunos, o problema é do professor. Aliás, o professor é que tem de... em tudo... É o que defende esse tal de eduquês. E se é aluno preguiçoso, passa a ser aluno problemático que tem de ser compreendido, ainda que agrida o professor que tem de compreender o menino e de estudar pelo menino. É por isso que a escola é cada vez menos o espaço de aprendizagens e de estudo e de preparação para o exercício da cidadania de uma forma responsável. Ninguém nasce com orelhas de burro, mas a escola está a passar certificados de orelhas de burro, à custa desse tal de eduquês!

José Trincão Marques disse...

Quando deixei o comentário no post «Poder de Proximidade» pretendi contestar superficialmente a ideia de que a Regionalização é uma opção negativa para Portugal. Entendo que a Regionalização é necessária. Quando tiver oportunidade posso desenvolver no "Terra Nossa" um pouco mais e explicar porquê.

O post-scriptum "valerá a pena aprofundar a democracia nas escolas?" foi uma provocação, perante alguma contradição argumentativa daquele post, que curiosamente continua neste novo post.

Não me vou pronunciar agora acerca das vantagens e desvantagens do actual e do anterior modelo de gestão das escolas, porque não tenho uma opinião formada acerca desse assunto. Admito que tenhas razão.

Relativamente à questão do aprofundamento da democracia nas escolas, entendo que primeiro é necessário esclarecer o conceito de democracia.
Tive um professor na Faculdade de Direito de Lisboa que jocosamente, para justificar algumas injustiças inerentes ao funcionamento daquela casa, dizia que a Universidade, a Igreja e a Tropa não são instituições democráticas. É verdade que, nas instituições onde existe uma hierarquia, rigor e a necessidade do cumprimento de disciplina não podem vigorar de forma plena os princípios da iguladade, nem da liberdade. O mesmo se passa nas empresas privadas e até nas famílias. A igualdade pressupõe que se trate de forma igual o que é igual e de forma desigual o que desigual. Na escola os alunos, os professores, os funcionários e os encarregados de educação, tendo funções e estatutos diferentes, deverão ter também direitos e liberdades diferentes.

Isto não significa que não possa existir mais ou menos democracia na escola, tendo em conta aquelas diferenças.
A existência de órgãos de gestão (de decisão política executiva, deliberativa, ou meramente consultiva) com representação equilibrada dos vários agentes educativos, em nada diminuiu o papel das escolas de transmitir o currículo prescrito , o rigor e a exigência.
A dificuldade deste aprofundamento da democracia está na calibragem do peso político de cada um destes intervenientes.

Em resumo, penso que é possível e desejável um aprofundamento da democracia nas escolas, tendo em conta as diferenças de estatutos dos seus agentes e sem prejudicar o rigor, a exigência e o mérito.

Anónimo disse...

O comentário de JTM mostra que ele percebe tanto de escolas como de plantação de Saramagos! E o raio da Educação ando ao sabor de pessoas como ele!

José Trincão Marques disse...

No comentário anterior, onde se lê «em nada diminuiu», deve ler-se «em nada diminui».

Lamento que o anónimo não explique porque discorda da minha opinião.

José Trincão Marques disse...

Este link reivindica um aprofundamento da democracia nas escolas:

http://www.spn.pt/?aba=27&cat=124&doc=2501&mid=115

A partir de amanhã vou dedicar-me à plantação de saramagos.

Jorge Carreira Maia disse...

Pois, se eu não estou de acordo com o actual modelo de gestão, também não estarei de acordo com os ditos "aprofundamentos da democracia" na escola. Prefiro a anterior forma de gestão à actual por motivos tácticos.

Há um problema no meio disto tudo. Centra-se no que é e para que serve uma escola? A resposta a estas perguntas determinam o caminho a fazer. O problema é que ninguém faz estas perguntas. Toda a gente sabe o que é e para que serve uma escola. Mas não sabe, não pensou sobre isso. Pensar sobre a escola é pensar a génese e as metamorfoses que seguiu e aquilo que ela pode dar. Mas agora, confesso que estou mais interessado no meu brinquedo novo. Amanhã volto ao tema da educação e à figura do professor.

Abraço,
jcm

Miguel e Rita Clara disse...

Em passeios blogosféricos há algum tempo. tenho compreendido que a dimensão das respostas provém de dois sentimentos, o do ter muito para dizer, e o de não ter nada para dizer ...
Dos comentários anteriores gosto sobretudo da frase "(...)A dificuldade deste aprofundamento está na calibragem do peso político de cada um destes intervenientes(...)"
Calibrem pneus e balanças nos mercados mas CIDADÃOS...
A questão prévia talvez seja seja a determinação da presunção de cidadania sem ser baseada no pacto entre o individuo e a sociedade, mas não vou agora por aí...
Da Escola todos falam, todos lá passaram e consideram por isso ter a experiência que lhes valida a opinião.
Nalguns dias acho que o actual sistema foi inventado por dropouts, tal como acho que as macas de obstetrícia foram inventadas por misóginos...
Tenho estado a reler o Maclhuan, conferências e entrevistas e é curioso pensar que cada vez mais sinto que a escola tem que se afastar da vida quotidiana...
Pois bem sei, ninguém acha...
Apetece-me relatar uma pequena experiência pessoal, quando um dos meus filhos mais novos nasceu o irmão com menos de 2 anos de diferença, teve necessidade de se colar aos mais velhos, que eram mesmo mais velhos, em conversa com o pediatra, e perante a nossa apreensão, ele assegurou-nos que o nosso filho do meio tinha encontrado uma estratégia de sobrevivência que revelava traços muito positivos da sua personalidade. Pois competir com um recém-nascido seria uma batalha perdida, já entrar no campeonato dos grandes era uma aposta com fortes probabilidades de sair vencedor!!!
Serve esta pequena narrativa privada para dizer que em comparação com a VIDA QUOTIDIANA a Escola sairá sempre a perder, o sexo será sempre melhor que a educação sexual!!!
Se a ESCOLA fosse ACADEMIA, lugar para aprender, investigar, inquietar, remexer nas arcas do património civilizacional aí sim seria única e inigualável!!!
A Democracia está em chaga no momento em que escrevo, não nos ensinaram a lidar com a liberdade, não a apreciamos pois confere responsabilidades individuais ás quais não nos habituámos. A mais ou menos democracia é um instrumento de manipulação e de suposta acalmia para os conflitos. Gostava de saber o que seria uma escola da Europa? Onde a cultura construída por um caminho civilizacional de milhares de anos não fosse um despojo inútil e atávico.
A diferença também é saber que na América do norte (usa) um restaurante com 50 anos é um lugar com história...
Na velha Europa é um sítio recente...
Silencio-me agora pois já me revelei o suficiente para um dia frio !!!