30/09/09

Cooperação institucional


Hoje, já passa da meia-noite, começa uma nova fase da cooperação institucional. O grande problema, aquilo que agita as pessoas nestes dias, reside, todavia, num equívoco enorme. Nunca houve cooperação institucional. Esta era apenas o véu com que as partes cobriam as suas pretensões. A cooperação institucional nunca passou, em qualquer dos lados, de uma arma contra o outro lado. Estamos a falar de políticos que buscam o poder e não de santos que esperam a glória dos altares. Assim sendo, não há qualquer interesse em determinar quem é moralmente bom ou quem é a vítima. O jogo político não visa o apuro moral, mas o poder. Quando se apela à moral é porque esta é ainda uma arma para derrubar o inimigo. Ao cidadão comum, para além de tentar limitar o mais que puder as iniciativas dos que volteiam em torno do poder, resta-lhe o prazer de contemplar o jogo. O prazer não está na vitória dos nossos, mas na contemplação da destreza técnica dos contendores. Não é cinismo, as coisas são o que são, e a luta pelo poder é aquilo que temos visto. É feio? Talvez. Não convém, porém, que o espectador se torne adepto de uma das facções, aí deixa de perceber a beleza dos ataques, a habilidade na defesa, a imaginação com que se entra pelo território inimigo, isto é, deixa de perceber a essência e a verdade da cooperação institucional.

John Keats - Lines Supposed to Have Been Addressed to Fanny Brawne

John Keats (1795 - 1821)

Uma tradução de um poema de John Keats, Lines Supposed to Have Been Addressed to Fanny Brawne

This living hand, now warm and capable
Of earnest grasping, would, if it were cold
And in the icy silence of the tomb,
So haunt thy days and chill thy dreaming nights
That thou would[st] wish thine own heart dry of blood
So in my veins red life might stream again,
And thou be conscience-calm’d – see here it is –
I hold it towards you.

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Esta mão viva, agora quente e capaz
De ávida força, desejaria, se fria estivesse
No gélido silêncio do sepulcro,
Assombrar-te os dias e gelar-te o sonho nas noites,
Suplicarias para o sangue secar no teu coração.
Assim em minhas veias a seiva voltaria a fluir,
E amena seria a tua consciência – vê, ei-la aqui –
Prendo-a para ti.

Ai Jesus


As acções do Benfica SAD já valem mais que as do Porto e Sporting juntas. Pudera, com a contratação do treinador ao Céu, as acções só podem mesmo é subir. Esperemos, porém, que Jesus seja mesmo o Ungido e não um qualquer anjo caído.

O tempo dos profissionais

A irremediável intervenção do Presidente, na noite de ontem, conseguiu não apenas gerar estas pérolas na boca de uma senhora, que não perdia nada em estar calada, como fazer José Sócrates representar a figura responsável que mantém a calma e olha desveladamente para a tranquilidade das instituições da República. Se as eleições fossem hoje, nada garantia que Sócrates não obtivesse uma maioria absoluta. E o Presidente ou tem algo muito forte contra o governo - mas aí não se percebe por que não o mostrou ontem -, ou então vai entrar numa guerra onde tem tudo a perder. Se há uma coisa em que esta geração de dirigentes socialistas é boa, muito boa mesmo, é em fazer política. O tempo da manhosice saloia, que sustentou certas maiorias absolutas, passou. Agora há profissionais treinados na universidade e doutrinados pelas leituras de Maquiavel. Não brincam em serviço. As declarações de Sócrates, que não devem ser desligadas das de Ana Gomes, mostram bem que, no Largo do Rato, tudo é medido, pensado e jogado profissionalmente. Depois há os problemas do país, mas quem se interessa com coisas tão rasteiras?

Demonstrativos

Quando escrevo poesia dou comigo a encher o poema de demonstrativos. Este, esse, aquele, contracções entre a preposição de e os demonstrativos, etc. É como se um impulso vindo do inconsciente, daquilo que há mais fundo em mim, quisesse falar e mostrar o que sou. Um falso poeta, onde a voz da filosofia, ou da dogmática filosófica, vem sempre ao de cima, como se um verso pudesse ser a conclusão de um silogismo. Esta voz da demonstração é uma voz da razão imperativa, tão imperativa e tão determinante que, mesmo no delíquio do metaforizar, encontra caminho para se fazer ouvir. Ou talvez seja ainda pior, o resto de um velho instinto, enfraquecido pelo torpor, para ordenar o mundo, um instinto político. Acabado o poema, fico sempre com o trabalho de exterminar os demonstrativos, como se disfarçasse os instintos mais arcaicos e reprováveis.

Novembro 2005: Crónica no Jornal Torrejano

Agora que estamos metidos nisto, não há nada como revisitar o passado. Nos finais de Novembro de 2005, ainda Cavaco não tinha sido eleito e este blogue não existia, escrevi no Jornal Torrejano, a crónica que segue:

Cavaco Silva falou…


Parece que o antecipadamente eleito Presidente da República começou a ter algumas ideias e vontade de as partilhar connosco. Depois de tanto silêncio, o Professor Cavaco começou a achar que um Presidente da República é mais do que um moderador da vida política. Pensa que pode ser um agente de desenvolvimento. Fiquei perplexo: os agentes de desenvolvimento não são a sociedade civil com a sua iniciativa e o governo com a sua política legislativa? Irá Cavaco, enquanto futuro Presidente da República, tornar-se, ao mesmo tempo, investidor, fundar empresas e criar riqueza para desenvolver o país? Nunca se lhe conheceu propensão para ser empresário e correr riscos, portanto não será isso que ele pretende.

Ora se não é isso, a única maneira de ser agente de desenvolvimento é interferir na vida da governação do país. É isto que me deixa perplexo. A legitimidade da governação cabe aos governos eleitos e não ao Presidente da República. Cogitemos que o Presidente da República entende, enquanto agente de desenvolvimento, desenvolver de uma determinada forma, mas o governo eleito, mandatado pelo portugueses para governar, acha que o desenvolvimento se deverá fazer de forma oposta.

Já imaginaram o bonito sarilho que as ideias do Professor Cavaco Silva podem provocar no nosso depauperado país? Dizer que um Presidente deve ser agente de desenvolvimento, no nosso sistema constitucional, pode ser o pontapé de saída para um conflito insanável em torno da governação. Esse conflito assentará no confronto entre duas maiorias – a governativa e a presidencial – que, possuindo legitimidade própria, embora para funções distintas, podem ser alavanca de conflitos muito sérios em Portugal. Será para isto que queremos eleger um Presidente da República?

Mas a minha perplexidade não fica por aqui. Se Cavaco Silva queria tanto ser agente de desenvolvimento, por que abandonou a governação? E quais os motivos que o levaram a não desenvolver o país quando era Primeiro-Ministro? E que motivos, com duas maiorias absolutas, o levaram a não tomar as decisões reformistas que Portugal, já na altura, tanto necessitava? E a magna questão da função pública, por que a criou ele? Não foi ele que deixou, para os futuros governos, uma situação completamente armadilhada? Não foi ele também que permitiu a proliferação indiscriminada de Universidades Privadas e de Institutos Politécnicos, cujo resultado é a baixa qualidade do ensino universitário e 60 000 licenciados no desemprego? E não foi ele que instituiu a Reforma Roberto Carneiro, que o actual governo segue religiosamente, e que destruiu o que restava de qualidade na escola portuguesa?

Cavaco Silva não pode falar. Pode fingir que fala. Mas sempre que deixar transparecer o que lhe vai na alma, os portugueses têm o súbito vislumbre de que podem estar a meter-se num grande sarilho.

29/09/09

Foi para isto?

Nunca tinha percebido cabalmente o motivo que levou o dr. Soares a candidatar-se a Belém. O óbvio é que ele se candidatou para o dr. Cavaco ganhar. Sim. Soares não é propriamente um ingénuo da política. Desde a primeira hora que sabia ser impossível a sua vitória. Mais, sabia também que com a sua candidatura, a de Manuel Alegre estava condenada. Sendo assim, e como o dr. Soares não é destituído de lógica, só restava uma hipótese: ajudar o dr. Cavaco a ir para Belém. Para quê? Pensei que isso serviria para Sócrates fazer passar as suas políticas, coisa que seria mais difícil com Alegre na Presidência. É possível, mas isto é muito mais pregnante. Cavaco em Belém, deve ter cogitado Soares, vai ser a morte do mito. O mito, nos último tempos, tem mostrado uma enorme propensão para o suicídio. No silêncio, Soares ri. Agora, percebo.

A fragilidade de Cavaco

A voz grossa de Cavaco não passa de um sintoma, terrível sintoma, da sua fragilidade. Eu não votei em Cavaco, mas tinha nele uma pessoa fiável e digna na Presidência da República. A partir de hoje, depois da explicação pífia que deu sobre o imbróglio das putativas escutas, Cavaco não merece qualquer credibilidade. Não explicou a razão por que Lima se encontrou com o jornalista do Público, não explicou o seu insuportável silêncio. Mais, em vez de ser voz apaziaguadora, Cavaco, com a sua declaração, parece querer incendiar o país. Nunca Portugal, desde que os presidentes são eleitos pós-25 de Abril, teve alguém tão incapaz na sua presidência. É pena. É pena que o essencial não tenha sido esclarecido. Como é notório eu não sou propriamente um adepto do engenheiro Sócrates. O Presidente pode ter dividido e incendiado o país, para além daquilo que é tolerável. Veremos. Veremos como se vão comportar os visados.

No rés-do-chão?

Notícias do liberalismo

Esta é a razão por que não sou liberal. Clara e distinta, no Portugal dos Pequeninos. Por esta mesma razão, acho que os Estados devem estar acima da economia, como de Protágoras a Aristóteles os gregos sabiam. Não há nada melhor que voltar às origens.

28/09/09

O Irão e Moscovo

Talvez, como defendem alguns analistas, o presidente iraniano esteja muito enfraquecido e estas experiências provocatórias com mísseis de longo alcance sejam o sintoma dessa fraqueza. mas quem não está enfraquecido é o poder em Moscovo. Os conselhos de prudência que dá ao Ocidente encobrem um pouco dissimulado prazer em ver a velha Europa metida numa tenaz, que se aperta cada vez mais. Prudência, manter a calma, processos de negociação produtivos. Muito interessante. Melhor seria, porém, que Moscovo falasse com voz grossa para o Irão. Isso, sim, ajudaria muito à prudência do Ocidente e do Oriente. Assim, soa ao mais frio cinismo político.

O oráculo de Delfos


Amanhã, pelas 20:00, escutaremos o oráculo de Delfos. Mas terá a Pitonisa tomado banho na fonte de Castália? Apolo voltará e derramará os seus poderes? Façamos as nossas coroas de louro, em honra do deus. Seja como for, o Presidente de todos os portugueses sempre teve propensão para oracular. O que acontece, muitas vezes, é que os consulentes não percebem se o oráculo revela ignorância excessiva ou sabedoria a mais.

Grande vitória


O Presidente da CIP também acha que é uma grande vitória de José Sócrates. Quem, como Ana Gomes, diz coisas como estas, deveria meditar no pensamento do senhor Van Zeller. Sábio é este ministro. Não sei se estão a compreender o que significa "coerência e estabilidade".

27/09/09

Resultado final


Sócrates: tivemos uma extraordinária vitória eleitoral.

Eleições


Preferia um Veuve Clicquot, mas este Murganheira não é nada mau. Acabou o poder absoluto.

Lá não haverá bloco central

Pelo menos na Alemanha não existirá bloco central. Democratas-cristãos e liberais governarão coligados sob a mão da senhora Merkel. O SPD, que esteve coligado com a direita, foi remetido para uns sólidos, mas quase a liquefazerem-se, 23%. Os Verdes têm a existência assegurada, 10%, e Die Linke, uma organização de inspiração comunista inimaginável num país como a Alemanha, obteve 13%, certamente graças aos amigos de Sócrates do SPD.

Oráculos

Lá pelas 20 horas, as urnas falarão. Sejam quais forem os resultados, as suas palavras serão mais obscuras que as da Pitonisa do Oráculo de Delfos. Há muito que Apolo Pítio se aposentou. Só espero que o momento não seja propício à sabedoria de alguma Cassandra. Quem gostaria de ter o destino de Agamémnon?

A 2 euros


Depois de cumprir o dever cívico e de ter entregue o meu voto à sabedoria das urnas, passei pela avenida marginal, de Torres Novas, e deparei com a Feira de Velharias, se este é ainda o nome do evento. Acabei por parar e ir ver como estavam as modas. Não estavam mal. Por dez escassos euros comprei cinco livros, em condições mais do que aceitáveis, todos eles, ou quase todos, sem que alguma vez uns olhos tenham pousado sobre o campo lavrado das suas letras (estes dias eleitorais transtornam-me o cérebro). Cheio de orgulho patriótico, pelo dever cumprido, adquiri a obra principal do filósofo Fernando Gil, Mimésis e Negação, os ensaios sobre literatura, cinema e teoria literária, A Mecânica dos Fluidos, de Eduardo Prado Coelho, os estudos, de Ana Hatherly, sobre textos-visuais dos séculos XVI e XVII, denominados A Experiência do Prodígio, o romance O Deus das Pequenas Coisas, de Arundhati Roy e as Cartas Familiares, de D. Francisco Manuel de Melo.

Há muitos motivos que me levaram a comprar estes livros. Sim, o preço foi um deles. Mas houve outros que não esse ou o seu conteúdo. Por exemplo, os títulos. Com a excepção do livro de D. Francisco Manuel de Melo, que belos títulos têm. No romance de Arundhati Roy, para além do belíssimo título, a fotografia da autora, ainda mais bela que o título do livro, não deixou de ter o seu peso no esportular dos dois euros. No improvável livro que reúne a epistolografia familiar de Francisco Manuel de Melo, o que me terá cativado? Não o título, claro, mas esta pequena carta, a 368, carta dirigida a um parente moço que se partia para a guerra, encontrada ao acaso quando desfolhava o livro: "P. I. Ide com Nosso Senhor. Lembrai-vos sempre dele e de quem sois. Falai verdade. Não aprofieis. Perguntai pouco. Jogai menos. Segui os bons. Obedecei aos maiores. Não vos esqueçais de mi. E sede embora Plínio Júnior, que se tudo isto fizerdes, ainda sereis mais. Deus vos leve, defenda e traga. Torre, sábado."

O verbo aprofiar, caído em desuso, pelo menos com esta grafia, e já fora dos dicionários, Houaiss incluído, seria o suficiente. Comprar uma palavra por dois euros é um belo negócio.

Dúvida para resolver lá pelas 20:00


Terei o prazer de abrir, pela primeira vez na vida, uma garrafa pelo resultado eleitoral? Sei que não terei direito a um Veuve Clicquot, mas espero que os deuses me concedam ao menos um Murganheira Bruto. Não é pedir muito...

26/09/09

Eduardo Bento - O Nevoeiro dos Dias



Eduardo Bento, professor de Filosofia da minha escola, na condição livre de aposentado, lançou hoje, na Biblioteca Municipal de Torres Novas, a obra O Nevoeiro dos Dias (65 poemas). A edição é da Ponte Editora, uma aventura de Joaquim Cabral. Aqui fica, como símbolo e prova da qualidade do livro, o poema que me coube ler.

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NÓS

Lentos são os pássaros neste tempo apressado.
Buscam o leito seco dos rios.
E a aridez que conduz os pássaros
E os homens retardatários buscam
ainda algum abrigo,
em vão!
Não há porto, nem barco, nem água.
A secura apoderou-se das planícies.
Os sonhos mortos às portas da alegria
fenecem com as fúnebres corolas
que acompanham os mortos.
Somos nós os mortos
E trazemos na alma o esquecimento
do sereno crepúsculo, do som da fonte,
do regresso dos rebanhos.

Vasco Pulido Valente - A música dos deuses


Para ler na íntegra e meditar. Mais importante do que a reflexão sobre a opção de amanhã, é a reflexão sobre isto: A procissão dos deuses que, tocando e cantando, deixaram António já se ouve - ao longe, no Ocidente inteiro. Ao pé disto, o acto da amanhã é apenas um pormenor ridículo e insensato. Ridículo na sua dimensão, insensato na impotência que a cegueira dos actores promove. Ganhe quem ganhar em Portugal ou na Alemanha, nada fará retornar a procissão dos deuses.

Dia de reflexão


Como os outros 9.490.679 portugueses, o autor deste blogue encontra-se em reflexão pós-campanha e pré-votação. Graças a Deus, com letra maiúscula, que há estes dias de reflexão antes de cada acto eleitoral, para os portugueses poderem dar asas à sua infinita capacidade de reflectir.

25/09/09

Quem acreditará?

Agora, segundo alguém - fonte anónima, claro - fez constar, as suspeitas da Presidência estar a ser escutada são para manter. Mais uma vez a Presidência está a interferir na campanha eleitoral. O silêncio do Presidente não é uma protecção da campanha eleitoral, mas uma interferência de forma errática e destituída de senso. Neste momento, mesmo que a história seja verdadeira, quem, fora daqueles que pertencem ao clube e pagam as quotas, acreditará numa palavra vinda da Presidência? Ou há provas e então há que responsabilizar os culpados, ou não há, e Cavaco nunca se livrará da imagem de ter querido interferir na disputa eleitoral por meios ínvios. A conduta do Presidente em todo este processo é lamentável. E o pior que pode vir da presidência, ou de hipotéticas fontes anónimas lá situadas, é a crítica ao DN. Não se deve matar mensageiro por causa da mensagem.

Jornal Torrejano, 25 de Setembro de 2009


On-line encontra-se já a edição semanal do Jornal Torrejano. É só clicar aqui que aparece .

Mau tempo no canal

As coisas andam a correr mal lá para as bandas de Belém. Depois da demissão, que é só semi-demissão de Fernando Lima, o Presidente, no meio de tanta angústia, silêncio e tabu, decide anunciar a vinda do Papa Ratzinger a Portugal. O pior foi a Igreja não ter percebido que um segredo diplomático hoje em dia já não é o que era, e por isso não ter compreendido por que raazão o Presidente não esperou pelo fim das eleições para anunciar a visita papal. Já lá vão os tempos em que a Igreja aceitava aquilo que a direita lhe impunha. Ontem, até o cardeal Policarpo não evitou uma certa ironiazinha dirigida a Belém. Mau tempo no canal.

Truques e armadilhas

Até pode ser que Menezes tenha razão sobre o TGV. Mas a última coisa que o PSD agora necessita, a meia dúzia de horas da ida às urnas, é da manifestação dos seus pluralismo internos. Contrariamente aos socialistas que conseguiram mobilizar as várias partes do Partido para a campanha, o PSD mostrou-se fragmentado e dando a impressão de que anda muita gente a rosnar e com vontade de morder à primeira oportunidade. Enquanto o PS se viciou no poder, o PSD viciou-se em truques e armadilhas internas. Menezes bem podia esperar uns dias para expor as suas magníficas ideias sobre a alta velocidade e as relações com Espanha.

Sem esculturas...

Para além de perplexo, esta notícia do Sol deixou-me angustiado. As rotundas vão ter novas regras de construção, Deus meu. Para quê? Sim, para quê proibir a colocação de esculturas ali naquele espaço tão rotundo, tão ansioso por ser esculturado. Uma esculturazinha aqui, outra ali, ainda outra além, sem esquecer o mobiliário industrial, os barcos de quando havia pesca, o sempre louvável monumento ao bombeiro, a celebração do emigrante, talvez por ter ido daqui para fora e já não aborrecer ninguém, o passado agrícola da terra, enfim tudo o que Deus, em fase de ódio aos portugueses, deu à imaginação grandiloquente dos nossos autarcas. Mas agora, com esta medida tão pouco liberal de proibir que a rotunda sirva para enfeite das ruas, o que irão fazer os nossos autarcas? Que angústia! Como celebrarão eles a magnificência do seu mandato, a glória das suas pessoas, o excelso e inultrapassável sentido estético que um autarca traz sempre dentro de si. Queremos as esculturas de volta às rotundas, já! Uma rotunda sem escultura não passa de um cruzamento apaneleirado.

24/09/09

Arruada



Qual a essência da campanha eleitoral? Essência, mas que palavra é essa? A essência é aquilo que faz com que uma coisa seja o que ela, é aquilo que determina a natureza de uma coisa. Assim, também uma campanha eleitoral tem, enquanto coisa que suportamos, a sua essência. Durante muitos anos ela esteve escondida, mas nesta campanha, mais do que em outras anteriores, a coisa manifestou-se, ou então era eu que estava mais absorto. A essência da campanha eleitoral é a arruada. Precipitado, o leitor pensa que eu vou estabelecer ligação entre arruada e arruaça. Não vou. Quem fomenta arruadas não gosta de arruaceiros, pelo contrário. Admira a ordem que subjaz na arruada.

Se se fizer uma pesquisa lexicográfica (isto é, se consultar um dicionário), não descobre, por enquanto, a entrada arruada (fui ver ao Porto Editora e ao Houaiss), mas descobre outras coisas. Por exemplo, o verbo arruar, com o sentido de projectar ruas ou de passear por elas. O substantivo arruador como aquele que projecta ou alinha ruas, também o que passeia pelas ruas. Mas há um outro sentido para o verbo arruar. Significa soltar mugidos, grunhir. Aqui começo a ficar preocupado. O momento alto a minha preocupação chega quando o dicionário Porto Editora me diz que arruadeira é mulher que gosta de andar na rua, e também prostituta. Aquilo que se queria significar quando se usava a expressão eufemística mulher pública.

Como as arruadas eleitorais não estão ligadas ao projectar de ruas, nem a um mero passeio sem intenções segundas pela rua, como por norma arruadeiros e arruadeiras gostam de gritar quando vão em arruada, temo seriamente que o campo semântico da arruada inscreva em si o nobre acto de grunhir ou de mugir daqueles que querem ser homens e mulheres públicos. A arruada, como essência da campanha eleitoral, é o sintoma da degradação da política. Na arruada homens e mulheres públicos trocam promessas por votos, num mercado onde o ruído dos grunhidos é excessivo. É isto que está por detrás das coreografias dos comícios, dos slogans martelados pelos líderes, das voltas ao país para arruar em tudo o que é sítio. Não há autoridade nenhuma que possa proibir o uso de certas palavras? Por uma questão estética, claro.

O que se aproxima



Nova sondagem, agora com o método de simulação de voto em urna fechada. O PS ainda pode ter maioria absoluta? Pode, a sua campanha, altamente profissional, está num crescendo. O PSD acabou. Está atado à asfixia democrática, à demissão do assessor do Presidente, à ausência de uma alternativa política diferente da do PS, à obscuridade de um programa vazio, do qual as pessoas tiveram medo. Nem a prestação de Ferreira Leite nos Gatos Fedorentos lhe salva a alma. Bloco e PCP ficaram presos às nacionalizações. Essa história vai custar-lhe muitos votos. Pode ser que Paulo Portas salve a alma. Talvez lhe esteja reservado um papel maior do que os votos que terá. Como sempre, o PS, na altura dos votos, namora à esquerda, e na altura da governação deita-se com a direita, se precisar. Caso não precise, o onanismo basta-lhe. Um resumo das várias sondagens aqui.

Geoffrey Hill . The Minor Prophets

Geoffrey Hill (1932 - )
Joel in particular; between the Porch
and the Altar – something about dancing
or not dancing. No, weeping; but in the Bible
there’s só much about dance; often of ill omen;
the threats of scorched earth and someone who resembles
the Scorpion King. They should film Joel:
A fire devoureth before them; and behind
them a flame burneth.

[The Minor Prophets, in A Treatise of Civil Power]

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Joel em particular; entre o Pórtico
e o Altar – qualquer coisa sobre dançar
ou não dançar. Não, o pranto; mas na Bíblia
há tanto sobre dançar; muitas vezes de mau presságio;
as ameaças da terra devastada e de alguém que parece
o Rei Escorpião. Deviam filmar Joel:
um fogo devorador à sua frente; e atrás
uma chama a arder.

Afinal, foi o vate

Afinal, foi o vate que uniu o Partido Socialista e gerou esta suposta onda de vitória esmagadora. Quem o diz é Alberto Martins. É provável que a participação de Alegre na campanha tenha feito estragos no pretenso eleitorado bloquista. Mas a fidelidade de Manuel Alegre a Sócrates, pois é disso, e não de outra coisa, que se trata, que compensações lhe trará? Uma governação mais à esquerda? Nem os mais angélicos o crêem. Se os socialista de Sócrates obtiverem uma maioria absoluta, tornarão a fazer aquilo que nem a direita sonha. Uma porta aberta para uma candidatura a Belém? Mas depois da história das escutas, a candidatura à esquerda passou a ser muito apetecível. Por exemplo, Guterres não andará já cansado de tanto refugiado? Talvez tenha chegado o tempo de Manuel Alegre se deixar de política. Escreva uma auto-biografia, por exemplo.

Sorrisos no Largo do Rato

Se estes resultados não estão muitos desfasados da realidade, então os socialistas ainda podem acreditar numa maioria absoluta. A campanha, que tem roçado a pura nulidade, tem-lhes corrido bem. O PSD afundou-se na obscuridade do seu programa, no facto de não dizer ao que vinha, de não apresentar nada de consistentemente diferente do PS. De facto, o grande drama do PSD é que Sócrates seria o seu chefe natural, mas ele está noutro sítio. Por outro lado, o embate entre Sócrates e Louçã fez mais estragos no BE do que aquilo que se dá a entender. Conheço gente, da classe média, que estava para votar BE e que, após o debate, decidiram votar PS. E de onde vêm os eleitores do BE? Da classe média. Sócrates foi um péssimo governante, mas em campanha é bastante bom. A máquina do PS está muito afinada e ali ninguém brinca aos políticos. Querem o poder e querem-no a sério. As sondagens são um espelho disso, e ainda falta o rebatimento da decisão presidencial de despedir o assessor para a comunicação. Será que vamos ter estes senhores mais quatro anos com maioria absoluta? Há sorrisos no Largo do Rato, e estão já a encomendar o champanhe.

23/09/09

Social-democracia

Não sei o que se passa comigo, mas hoje estou destinado a estar de acordo com Louçã e Jerónimo de Sousa. É evidente que se o PSD ganhar as eleições não virá mal maior ao país do que se for o PS. Não voltaríamos ao fascismo - o que seria isso nos dias de hoje? - nem a uma situação de irrisão da democracia maior do que aquela em que se vive hoje. O papão do fascismo lançado pelos socialistas é tão credível quanto parece ser a história das escutas. Mas o que há a sublinhar é a natureza tão cordata, tão social-democrata, de Jerónimo de Sousa. No fundo, o regime é uma espécie de união nacional social-democrata, ora com tonalidades mais populares-cristãs, ora com pinturas mais marxistas, mas no fundo tudo gente cordata, amiga do Bernstein e do renegado Kautsky. Não quer dizer que uns não sonhem em ser liberais e outros revolucionários, mas a fazenda não dá para outro fato que não o social-democrata. Um dia destes, ainda veremos, com toda a naturalidade, o PCP e o BE no governo da nação. Acho que já faltou mais.

A crise mais grave

Por muito que não se goste de Louçã, e eu não sou um particular adepto do estilo e das ideias, aquilo que Louçã diz sobre o Presidente faz todo o sentido. Já vi insultos na blogosfera e nos comentários nos jornais on-line, mas é como matar o mensageiro por causa da desagradável mensagem que traz. Seja o que for o que se passa é muito grave. O silêncio de Cavaco é inexplicável. A continuidade de Cavaco em Belém, continuidade escorada na força e autoridade política incontestável, está dependente daquilo que ele tiver a dizer sobre o despedimento de Fernando Lima. Só isso. Pelo menos nisto, estou de acordo com o líder do BE. E há uma coisa que aqueles que gostam muito de falar na crise do regime agora não dizem. Esta crise, que tem a Presidência no epicentro, é a mais grave de toda a vida do regime.

Nunca mais acaba

Nunca mais acaba. Deve ser este o pensamento da dr.ª Ferreira Leite. Uma campanha difícil, uma campanha onde nada de importante a separava do seu adversário directo, uma campanha fundada essencialmente na oposição pessoal, uma campanha centrada em irrelevâncias. Agora, a dias do fim, quando as coisas não estavam nem bem nem mal, a decisão do presidente tornou negro o cenário. Neste momento, haverá já muito gente, no Largo do Rato, a sonhar com maiorias absolutas. Portanto, o desespero não está no PS. Aí pode haver exaltação, o retorno da arrogância, os dentes que começam a sair da boca. Desespero tem uma tonalidade mais laranja. Bom seria que o PSD tentasse, nestes três dias, centrar a campanha em algo mais substancial. O problema é que ninguém descortina o quê. O mais grave é que Sócrates não só ganha estas eleições, como fica numa posição tal que, mesmo com maioria relativa, terá espaço de manobra suficiente para enfrentar novas eleições, daqui a dois anos, caso sejam convocadas devido à instabilidade política que possa advir destas. Há um problema no PSD. Durante o consulado de Cavaco criou-se no espírito dos militantes do partido a ideia de que tinham um direito divino a exercerem o poder. Isso ainda não lhes passou. Mas se, para a época, a máquina política do PSD era relativamente profissional, hoje em dia, como se tem visto, não passa de um conjunto de diletantes, a brincar aos políticos contra gente que leva o poder demasiado a sério.

Xeque ao rei

Têm razão Pacheco Pereira e Luís Filipe Menezes. De facto, Cavaco Silva está, com a demissão de Lima e o silêncio subsequente, a interferir na campanha, e a interferir, neste caso, auxiliando os socialistas. O problema, porém, é que o seu silêncio anterior, para não dizer a sua posição equívoca, sobre as supostas escutas da sua casa civil era também uma interferência, uma interferência que favorecia objectivamente o PSD e a tese da asfixia democrática. Nessa altura, ninguém no PSD achou que havia interferência. Mas Cavaco demitiu Fernando Lima e remete-se, agora, ao silêncio porque a isso foi obrigado. O jogo mudou de feição, o adversário foi mais talentoso e colocou o Presidente numa situação muito incómoda. Quem observa de fora percebe que Cavaco está refém do governo (aqui, por exemplo). A benevolência com que os dirigentes do Partido Socialista estão a tratar o assunto publicamente não significa outra coisa. Porque ou Cavaco tem ainda um trunfo na mão e demonstra que estava efectivamente sob vigilância - mas como se explicaria então a demissão de Fernando Lima? -, ou então a sua posição no xadrez político é muito frágil, demasiado frágil. Poder-se-á dizer que os socialistas deram um ameaçador xeque ao rei. Não foi um xeque-mate, mas é muito duvidoso que o sacrifício de um peão seja suficiente para salvar a corte.

22/09/09

Não é verdade

Não podia dizer outra coisa, mas o que diz não é verdade. A demissão de Fernando Lima e o silêncio do Presidente da República prejudicam directamente a campanha do PSD. A dr.ª Ferreira Leite podia não estar a falar do caso das supostas escutas a Belém, mas a verdade é que a opinião pública vai ligar com muita facilidade o caso aos interesses eleitorais do PSD, até porque a suspeição das escutas, mesmo que nunca se falasse disso abertamente, era um exemplo que estava na mente dos eleitores para exemplificar a célebre asfixia democrática. Mas as aparências mudaram. Sócrates não surge como vilão, mas como vítima, e Manuela Ferreira Leite dificilmente, neste jogo de espelhos, se livrará de ser vista como beneficária da suposta vilania de que Sócrates é alvo. Começamos todos a perceber que esta campanha eleitoral é das mais sujas de que há memória. Seja como for, Sócrates recebeu uma dádiva com a demissão de Fernando Lima. Isso afecta o PSD.

Duas questões

Este editorial do Público deveria separar duas coisas. Por um lado, estão as questões de deontologa da profissão de jornalista e o comportamento das várias partes comunicacionais, digamos assim, envolvidas. Aí, porém, não basta bater no DN. É preciso explicar muitas coisas, nomeadamente por que razão um assessor político, não interessa de quem, tem o caminho tão aberto para soprar na orelha de jornalistas supostos factos. Ninguém acha que isto deva ser explicado, porque toda a gente pensa que isso é o pão nosso de cada dia. A comunicação social sai deste episódio bastante mal e não é só o DN, sublinhe-se de novo. O Público não sai melhor.

Por outro lado, há o caso do Presidente. A demissão de Fernando Lima não explica nada. Como as coisas estão, o Presidente terá de esclarecer se sabia ou não da missão de Fernando Lima, há 18 meses atrás. Caso não soubesse, não se percebe a razão por que não desmentiu os rumores que circulavam, tendo mesmo um comportamento ambíguo. Caso soubesse, terá de explicar por que agiu dessa maneira. As alternativas não são muito simpáticas. Ou participou numa invenção com vista a prejudicar uma das partes do jogo político, e aqui Cavaco Silva a única coisa que tem a fazer é abandonar a presidência, ou está profundamente convencido de que algo anormal aconteceu e que as instituições já não funcionam de forma regular para assegurar uma investigação independente, e aqui estamos num quadro em que a democracia já não funciona. Ora o papel do Presidente é assegurar o normal funcionamento das instituições. Resumo: ou ignorância dos factos e comportamento pouco sensato; ou participação numa invenção que põe em causa a normal disputa partidária; ou um quadro geral de perversão e dissolução das instituições. Seja qual for a realidade, Cavaco Silva tem de se explicar rapidamente. Quanto mais tempo demorar, mais o capital de confiança que o rodeava se diluirá.

21/09/09

Deveria estar grata

Não percebo o azedume da dr.ª Manuela Ferreira Leite com o dr. Mário Soares. Ela deveria estar agradecida. As acusações de Mário Soares, ao chamar-lhe ou fanática ou irresponsável, são tão inverosímeis que acabam por jogar a favor da candidata do PSD. Aliás, a gratidão deveria ser imensa, pois o azedume de Soares para com ela acaba por compensar uma parte daquilo que ela vai perder com a demissão de Fernando Lima e o desenvolvimento do caso das escutas ao Presidente. Com a asfixia democrática atingida com um tiro no porta-aviões, não há nada melhor do que ser vítima da pesporrência dos adversários. Em vez de mandar recados, deveria estar grata.

Para quê?

O afastamento de Fernando Lima, por Cavaco Silva, da assessoria para a comunicação social deveu-se a quê? Terá sido Fernando Lima incompetente ao deixar demasiadas pegadas no seu caminho? Terá sido despudoradamente inventivo e criado uma ficção para criar problemas ao primeiro-ministro? Será apenas o bode expiatório, aquele que deverá "morrer" pela salvação de outros? Tudo isto é possível, mas há uma coisa que parece clara. Ao despedir Fernando Lima no momento em que o faz, Cavaco dá uma ajuda à campanha de Sócrates e abre mais uma ferida na campanha do PSD. A história das escutas presidenciais fazia parte do cenário da asfixia democrática no continente. Esta decisão presidencial mostra um continente menos asfixiado na democracia. Sócrates agradece, mas há uma coisa que fica por esclarecer. Não tanto o porquê da decisão, mas o para quê. Cavaco não é pessoa para dar ponto sem nó. O que pretende ele com este acto? Libertou-se de Lima para quê?

20/09/09

Irrelevância

Eu sei que foi uma infeliz conjugação de acasos e de boas vontades de amigos de há muitos anos, talvez nem tão boas quanto isso, de me inserir num círculo mais amplo de debate filosófico que me levaram a isto. Estou, devido a um compromisso assim arranjado, a escrever um artigo sobre o Protágoras, de Platão. Melhor, estou a escrever o artigo a partir dele, do mito que o sofista narra para justificar que a excelência política (aretē) pode e dever ser ensinada. A única coisa que eu constatei até agora, depois de ter o artigo esboçado e de o estar a redigir na forma final, é a irrelevância das minhas ideias sobre o assunto que me propus escrever. A única coisa para que servirá o artigo é para aumentar o lixo publicado. Não fora tão complacente, teria dito não. Não à participação no projecto (cheguei a dar uma aula na Faculdade de Ciências sobre o assunto), não à escrita do artigo, não à contribuição para o aumento da poluição cognitiva que infesta este malfadado planeta. Tão irrelevante como este artigo é aquilo que escrevo por aqui. A única coisa que, neste caso, não me condena em absoluto é que o que escrevo no blogue não é publicado em papel. Não contribuo para desflorestação do planeta. Valha-me isso.

O astro

Muitos são os dotes do dr. Paulo Portas, mas agora descobrimos a sua verdadeira natureza. Uma maioria silenciosa pensa como ele, diz. Como sabe? Se essa maioria é silenciosa, não fala, não se exprime, não comunica. Só os dotes telepáticos do dr. Portas podem explicar tal sabedoria. Aquela olhar profundo não é outra coisa senão uma espécie de insight na mente dos eleitores. Portanto, o dr. Portas é, mais do que um chefe político, um verdadeiro telepata, e o melhor mesmo, se quer preservar os seus segredos mais íntimos, é não se cruzar com tamanho astro da vidência.

19/09/09

Simónides de Céos


A pintura é uma poesia silenciosa e a poesia, uma pintura que fala.

Quem semeou ventos...

Eis uma proeza de Sócrates e de Lurdes Rodrigues. Conseguiram uma manifestação não apenas contra o governo mas contra o próprio Partido Socialista. Partidarizaram, pela negativa, toda uma classe profissional. Professores calculam, distrito a distrito, qual o voto útil contra o PS. Esta manifestação, como esse cálculo, nunca deveriam acontecer, não porque não façam sentido - fazem-no até demais - mas porque as políticas educativas que os geraram, e geraram o ódio de um sector profissional ao partido que teria mais apoio dentro desse sector, nunca deveriam ter sido sequer pensadas, quanto mais postas em execução. Diferentemente de muitas outras manifestações, os 1500 ou 2000 professores que se manifestaram hoje em Lisboa representam o pensamento de mais de 95% do professorado. Enquanto professor, desejo um tempo em que cada um de nós possa tornar a optar segundo uma óptica não corporativa, optar segundo a sua visão da sociedade e do bem comum, onde a educação seja apenas uma vertente do voto. Mas os portugueses deverão perceber aquilo que foi feito. Os professores foram escolhidos, pelo governo do Partido Socialista, para serem o bode expiatório, cujo sacrifício deveria redimir a pátria, no pequeno pensamento dos conselheiros estratégicos do governo. E enquanto a opinião pública parecia dar cobertura aos desmandos do governo na educação, não faltou voz forte, punho de aço, humilhação das pessoas, não faltou um clima de desprezo e de ódio ao professor do ensino público. A proletarização dos professores (um dos objectivos do governo), a reforma "compulsiva" de muitos dos mais velhos (outro dos objectivos da agenda "oculta"), a criação de uma estrutura burocrática pesada dentro das escolas para justificar a divisão da profissão em duas, as medidas de irresponsabilização dos estudantes, a entrega não muito subrepetícia das escolas à voragem dos políticos locais são motivos mais do que suficientes para os professores terem um objectivo negativo no acto eleitoral: fazer perder o maior número de votos possível ao partido do governo. Isto nunca deveria acontecer. Mas aquelas políticas, cujo fim último é fazer da escola pública um serviço de terceira categoria, muito menos. Votar contra o PS tornou-se não apenas um imperativo que visa defender os professores, mas também e fundamentalmente um imperativo que visa defender aqueles que justificam a existência de professores, os alunos. Quem semeou ventos...

Jogos florais

Vejamos se percebemos o que está dito aqui: «O mesmo artigo (do Correio da Manhã) acrescenta ainda que "o assunto não foi tratado nem ao nível do Ministério Público nem da Polícia Judiciária, por a Presidência da República entender que as mesmas poderiam não garantir a 'confidencialidade' do acto".» Não há nada a explicar? Se o próprio Presidente da República desconfia da Polícia Judiciária e do Ministério Ppúblico, como poderão pensar de maneira diferente os cidadãos? Esta nota de rodapé, dentro da balbúrdia da campanha eleitoral, não é coisa sem importância. O mais alto magistrado da nação desconfia dos órgãos de investigação, da sua capacidade de manterem o segredo. Mas o que transparece é que a expressão "confidencialidade do acto" é apenas uma metáfora. A política, em Portugal, está tornar-se numa sessão de jogos florais, onde a linguagem vai da ironia para a metáfora, desta de novo para a ironia, como se o exercício tropológico fosse a máscara para o medo de dizer o que se pensa.

Confirmações

Esta nova sondagem confirma várias coisas, apesar de ligeiramente diferente das anteriores. Em primeiro lugar, o PS está longe da maioria absoluta. Mesmo que ganhe as eleições, ficará à mercê das circunstâncias. Em segundo lugar, o PSD não arranca de onde estava, pouco ganha com a contestação a Sócrates. Por fim, o BE perfila-se como o mais provável vencedor das eleições, mesmo que fique em terceiro e pouco acima dos 10%.

As alternativas



Depois de ler este e-mail, não importa que já tenha 17 meses, e de ler isto, e mais isto, e ainda isto, para além das reacções dos partidos parlamentares e do próprio Público, parece que alguma coisa se está a passar. Ou temos um Presidente paranóico, e por isso deveria demitir-se, ou um governo perverso, que, sendo-o, deveria ser demitido, ou assessores e jornalistas com uma imaginação delirante, que, se asim for, deveriam ser despedidos. Ou então somos todos tontos, e o melhor será entregar isto a um agência internacional dedicada à protecção de animais de circo. Mas como tudo isto se passa em Portugal, quando acabar a batalha eleitoral, fortemente acintosa, como muito bem nota Vasco Pulido Valente, tudo acabará como se não tivesse acontecido nada.

18/09/09

Um retrato do país

"Estudo conclui que maiores hospitais do SNS são ineficazes e sugere que as reformas do Governo podem não estar a seguir o melhor caminho". A saúde em Portugal tornou-se um verdadeiro drama. Quem não tem dinheiro para recorrer à caríssima medicina privada, a generalidade dos portugueses, sujeita-se àquilo que os serviços públicos têm para dar. E o que têm para dar é cada vez menos. Por exemplo, como terá evoluído o número de pessoas sem médico de família (neste concelho, parece ter aumentado substancialmente)? Depois, a política de concentração seguida está a esvaziar muitas unidades hospitalares e a criar monstros de ineficácia. Por fim, nem para isto há sequer dinheiro (isto, por exemplo), pois mesmo os serviços que se prestam, com os atrasos e condições que se conhecem, custam uma fatia orçamental excessiva para o país. O Serviço Nacional de Saúde sempre foi o retrato fiel do país que somos. Os interesses que o sugam, aqueles que gostavam de se apoderar das unidades de saúde, a incapacidade de organizar e tornar eficiente uma instituição do bem comum, o drama das gentes que apenas a ele podem recorrer. No meio de tudo isto, há milhares de excelentes profissionais que devem desesperar da situação a que se chegou, há vocações desgastadas pela ineficácia e pela intromissão constante dos reformadores.