Vasco Pulido Valente - A divisão da Rússia
Como em Portugal, em Inglaterra ou França, também a televisão de Putin organizou um concurso para eleger os maiores russos da história. Embora não deva ser levado muito a sério, o resultado é curioso e dá uma ideia, embora vaga, do que sente e quer a população comum. A imprensa europeia só se preocupou com o terceiro lugar de Estaline e com a diferença mínima a que ficou separado de Alexandre Nevski e Piotr Stolipin, como se a popularidade de Estaline representasse só por si o nacionalismo agressivo, que o novo regime ostensivamente fomenta. Sucede que as coisas não são tão simples. Quem vir a lista dos 9 finalistas, que os nossos jornais não publicaram, fica com um retrato bastante mais contraditório e complexo de uma Rússia que, pouco a pouco, tenta reocupar o seu lugar no mundo. Alexandre Nevski, o primeiro classificado, não levanta qualquer dificuldade: é o emblema da resistência eslava aos cavaleiros teutónicos ou, de maneira geral, à Alemanha, ainda hoje naturalmente odiada. Já Stolipin, o número dois, quase santificado por Soljenitsin, passa pelo homem que podia ter evitado a revolução bolchevique, se o czar o não tivesse traído e, provavelmente, mandado matar. O voto nele implica uma absoluta rejeição do comunismo. Como, de resto, o voto em Pedro, o Grande (5.º), que tentou civilizar e abrir a Rússia ao Ocidente; em Alexandre II (8.º), um reformador pacífico; e obviamente em Nicolau II (10.º), o último czar. O caso de Catarina II (9.º), uma "iluminista" notória, oscila entre a "modernidade" e a conquista, mas provavelmente foi escolhida pela conquista.O que não admira, porque a expansão do Império é a essência do Estado russo e os "construtores" do Império heróis nacionais. Sem isso, não se perceberia a admiração por Estaline, que ganhou a guerra e submeteu a Moscovo a Europa Central e parte da Alemanha; ou por Lenine (6.º), que recebeu e reorganizou mais solidamente a herança do czarismo; ou por Suvorov (7.º), um general particularmente cruel, que se distinguiu na Polónia e na Turquia e acabou vencido na Suíça por Massena, um futuro acólito de Napoleão. O concurso mostra que a Rússia continua dividida entre o desejo de uma "normalidade" europeia e o Império, a que nunca renunciará ou pode algum dia renunciar. Infelizmente, e apesar das fantasias de há 15 anos, não existe maneira de transformar uma potência asiática num país democrático e ordeiro do Ocidente. [Público, 2 de Janeiro de 2009]
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A conclusão do texto de VPV, "Infelizmente, (...), não existe maneira de transformar uma potência asiática num país democrático e ordeiro do Ocidente", coloca então uma questão de fundo: como devem os países democráticos e ordeiros do Ocidente lidar com uma potência asiática? A resposta a este problema não é despicienda. Ainda por cima porque esses países não têm de lidar com uma potência asiática, mas com múltiplas potências asiáticas. O que se tem visto até aqui é aquilo a que Sartre chamava a má-fé, a decisão pela não decisão. Finge-se que o problema não existe, e se ele não existe não há que encará-lo, nem que lidar com ele.
1 comentário:
Não vou muito por esses concursos...cá quem ganhou foi Salazar e não considero isso a vontade da maioria dos portugueses mas de minorias que gostam de entrar em programitas desses. Não se pode avaliar a vontade de milhões por programas em que apenas alguns participaram, se calhar até foi manipulado, como se diz que aconteceu por cá...qualquer nação que tenha sido imperialista, como a nossa, terá dificuldade em se livrar do fardo, ao fim ao cabo, foi a mentalidade reinante durante séculos de Eurásia. Ainda há bem pouco tempo assistimos a mais uma dessas tentativas.
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