29/01/09

As erínias

José Sócrates é, do ponto de vista estritamente político, uma das figuras mais detestáveis da democracia portuguesa. Nunca um governo e um governante foram tão arrogantes, nunca uma equipa governamental foi tão fria no esmagamento dos supostos "inimigos", nunca ninguém tratou com tão grande desprezo político órgãos de soberania de posição diferente da sua. A política do actual governo é uma montagem contínua de efeitos de propaganda, onde os governantes, com Sócrates à cabeça, parecem uma trupe de actores a dizer os respectivos papéis. Gostava só de lembrar a frieza e o cinismo político com que Sócrates, no caso do famigerado estatuto dos Açores, tratou o Presidente da República. Esta frieza maquiavélica, baseada no mero cálculo de oportunidades, tem dado alguns frutos ao nível das sondagens. O problema, porém, é que a manutenção sistemática da atitude exigiria dos seus executantes uma natureza divina, imune à falibilidade da condição humana. Nos tempos de Maquiavel, essa natureza "divina" era dada, aos governantes, pelo poder discricionário, onde a violência se prolongava até à prática sistemática do assassínio. Em democracia, a frieza maquiavélica é restrita e submetida ao império da lei humana. Quando ela é a principal arma de uma política, os deuses não tardam a lembrar aos mortais que governam outros mortais a sua verdadeira condição. Tenho esperança, para a sanidade mental de todos nós, que as suspeições que caem sobre o primeiro-ministro sejam falsas. Mas ao observador do fenómeno político, o calvário a que Sócrates tem sido sujeito parece ter uma dimensão metafísica, um ataque violento das erínias. Um rancor interminável parece ter caído sobre o primeiro-ministro, castigando-o, porventura injustamente aos olhos dos mortais e da justiça humana. Já tenho lido, a propósito do caso Freeport, que à mulher de César não basta ser, é preciso parecer. Mas aqui há ainda um equívoco. A um governante não basta ser e parecer ao mesmo tempo. É precisa que ele não desencadeie contra ele, pela arrogância do seu comportamento, o zumbido das erínias. E quando as fúrias são desencadeadas, sejam os motivos apresentados injustos, elas nunca são benevolentes. Os políticos bem precisariam, no lugar de fazerem o "curso" nos truques das juventudes partidárias, esses seminários de tiranetes impotentes, de estudar metafísica e fazer um curso completo de cultura clássica aplicada, fossem eles não perceber. São coisas que não ocorrem a um engenheiro.

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