A matéria e a forma
Vai por aí um grande banzé com as declarações do cardeal Policarpo sobre os casamentos entre mulheres cristãs e homens muçulmanos. O cardeal de Lisboa teve a infeliz ideia de sugerir às jovens o uso da razão. Pensem duas vezes, terá dito. Num mundo em que pensar uma vez é já um exercício execrável, talvez o cardeal Policarpo se tenha excedido. Como podem as jovens portuguesas pensar duas vezes? Talvez seja uma manifesta impossibilidade. Mas pior que o irrealismo cardinalício sobre as capacidades das jovens (e já agora dos jovens) portugueses para pensar, é o coro de virgens que se faz ouvir a propósito destas declarações. Parece que é uma pouca vergonha aquilo que D. José Policarpo fez, sintoma de um comportamento impróprio do século XXI, um atentado contra o espírito ecuménico e o diálogo inter-religioso, um desconhecimento dos imperativos multiculturais, talvez mesmo um exemplo de racismo e xenofobia. Pobre cardeal. É evidente que aquilo que ele disse não interessa para nada. E se uma jovem portuguesa se meter num monte de sarilhos é um problema de somenos. Também, para toda esta gente que adora a forma correcta, a situação da mulher em muitas sociedades islâmicas é irrelevante, bem como a cultura, que em muitas dessas sociedades é permitida, e que faz da mulher um ser abaixo e submetido ao marido, é matéria que não interessa discutir. Para mim, neste mar de indignação contra as palavras do cardeal-patriarca ecoa uma nostalgia. A nostalgia dos tempos em que os homens cristãos podiam fazer às suas mulheres cristãs aquilo que os muçulmanos ainda vão podendo fazer. A igualdade da mulher deixa muitos homens, de aspecto viril, com a barriga das pernas a tremer.
4 comentários:
Completamente de acordo.
JR
É evidente (claro que não pode ser, para o comum das pessoas - só mesmo para certas que me conheçam), bom, mas insisto: é evidente que há alguns anos atrás, não muitos, eu daria um salto na cadeira e aplaudiria, com as duas mãos, a intervenção do cardeal, assim, servida a "frio". Hoje, nem tanto, nem tão espontaneamente... não por mor do diálogo inter- religioso, onde a figura do patriarca pesa, necessariamente, mas por razões que se prendem com a tolerância, onde o cardeal mantém, queiramos ou não, também grande peso e particular responsabilidade.
Por alturas do alarido das caricaturas, idos passados, aplaudi, sem reservas, e por óbvias razões, os caricaturistas... Hoje, neste episódio já não fui tão espontâneo e rápido no apoio ao cardeal Policarpo... A parte de mim que o criticou é superior à que com ele poderia concordar.
jlf
Completamente de acordo...
Atenção, quando disse «completamente de acordo» fazia minhas as palavras do comentador José Ricardo Costa. Já agora, pergunto-me por que razão as pessoas terão actualemnte de ter medo da verdade? Por que razão se há-de enveredar sempre pelo «correctinho» social e politicamente e não só? Será por isso que uns serão «salvos» e outros não? Quando a bomba cair, cairá tanto em cima do D. José Policarpo, que admiro, pela sua honestidade e franqueza, como por cima dos política e socialemnte correctos. Ao menos, morre-se de morre-se de consciência tranquila por se ter dito a verdade. Essa história do «correctinho» e mais uma das que abomino no tal Zeitgeist...com franqueza,então já não se pode dizer o que se pensa?Pensei que estávamos a entrar numa era, pelo menos no mundo ocidental, com todos os problemas e aberrações que nele existem, em que as ditaduras tinham sido abolidas. Liberdade de expressão, liberdade de imprensa, essas coisas. teremos regressado aos tempos de Galileu? Ah, mas ele ainda afirmou: «eppure si muove.»
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