15/01/09

A matéria e a forma


Vai por aí um grande banzé com as declarações do cardeal Policarpo sobre os casamentos entre mulheres cristãs e homens muçulmanos. O cardeal de Lisboa teve a infeliz ideia de sugerir às jovens o uso da razão. Pensem duas vezes, terá dito. Num mundo em que pensar uma vez é já um exercício execrável, talvez o cardeal Policarpo se tenha excedido. Como podem as jovens portuguesas pensar duas vezes? Talvez seja uma manifesta impossibilidade. Mas pior que o irrealismo cardinalício sobre as capacidades das jovens (e já agora dos jovens) portugueses para pensar, é o coro de virgens que se faz ouvir a propósito destas declarações. Parece que é uma pouca vergonha aquilo que D. José Policarpo fez, sintoma de um comportamento impróprio do século XXI, um atentado contra o espírito ecuménico e o diálogo inter-religioso, um desconhecimento dos imperativos multiculturais, talvez mesmo um exemplo de racismo e xenofobia. Pobre cardeal. É evidente que aquilo que ele disse não interessa para nada. E se uma jovem portuguesa se meter num monte de sarilhos é um problema de somenos. Também, para toda esta gente que adora a forma correcta, a situação da mulher em muitas sociedades islâmicas é irrelevante, bem como a cultura, que em muitas dessas sociedades é permitida, e que faz da mulher um ser abaixo e submetido ao marido, é matéria que não interessa discutir. Para mim, neste mar de indignação contra as palavras do cardeal-patriarca ecoa uma nostalgia. A nostalgia dos tempos em que os homens cristãos podiam fazer às suas mulheres cristãs aquilo que os muçulmanos ainda vão podendo fazer. A igualdade da mulher deixa muitos homens, de aspecto viril, com a barriga das pernas a tremer.

4 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Completamente de acordo.

JR

Anónimo disse...

É evidente (claro que não pode ser, para o comum das pessoas - só mesmo para certas que me conheçam), bom, mas insisto: é evidente que há alguns anos atrás, não muitos, eu daria um salto na cadeira e aplaudiria, com as duas mãos, a intervenção do cardeal, assim, servida a "frio". Hoje, nem tanto, nem tão espontaneamente... não por mor do diálogo inter- religioso, onde a figura do patriarca pesa, necessariamente, mas por razões que se prendem com a tolerância, onde o cardeal mantém, queiramos ou não, também grande peso e particular responsabilidade.

Por alturas do alarido das caricaturas, idos passados, aplaudi, sem reservas, e por óbvias razões, os caricaturistas... Hoje, neste episódio já não fui tão espontâneo e rápido no apoio ao cardeal Policarpo... A parte de mim que o criticou é superior à que com ele poderia concordar.

jlf

maria correia disse...

Completamente de acordo...

maria correia disse...

Atenção, quando disse «completamente de acordo» fazia minhas as palavras do comentador José Ricardo Costa. Já agora, pergunto-me por que razão as pessoas terão actualemnte de ter medo da verdade? Por que razão se há-de enveredar sempre pelo «correctinho» social e politicamente e não só? Será por isso que uns serão «salvos» e outros não? Quando a bomba cair, cairá tanto em cima do D. José Policarpo, que admiro, pela sua honestidade e franqueza, como por cima dos política e socialemnte correctos. Ao menos, morre-se de morre-se de consciência tranquila por se ter dito a verdade. Essa história do «correctinho» e mais uma das que abomino no tal Zeitgeist...com franqueza,então já não se pode dizer o que se pensa?Pensei que estávamos a entrar numa era, pelo menos no mundo ocidental, com todos os problemas e aberrações que nele existem, em que as ditaduras tinham sido abolidas. Liberdade de expressão, liberdade de imprensa, essas coisas. teremos regressado aos tempos de Galileu? Ah, mas ele ainda afirmou: «eppure si muove.»