25/01/09

A conquista da Europa



O bispo de Alepo, na Síria, disse hoje, em Fátima, algumas coisas interessantes: "no Islão há tendências fundamentalistas que fazem tudo, directa ou indirectamente, para fazer os cristãos partir" do Médio Oriente. Mas a situação não fica por aqui: "há um discurso nos 'media' muçulmanos, nas mesquitas, nas escolas" de que o Islão está no "início da conquista da Europa". "Na Europa, o secularismo e a exclusão de cristãos inquieta-nos e reforça os muçulmanos", sublinhou o prelado, lembrando o que os muçulmanos dizem: "Já não há fé, nem família, nem moralidade na Europa. Pacificamente, vamos pregar-lhes o Alcorão e vamos todos convertê-los ao Islão".

Contrariamente ao que se pode pensar, e há muito boa gente a pensá-lo, o ateísmo e o agnosticismo generalizado não são vacinas contra o fanatismo religioso. Pelo contrário. A evacuação do espaço público europeu da presença do cristianismo é uma janela de oportunidade para a penetração do Islão. O ateísmo ou o agnosticismo são exercícios intelectuais complexos e inerentes a minorias restritas, mas a fé e a crença no além são inerentes aos grandes grupos sociais. A diminuição do cristianismo na Europa é um perigo real e efectivo. O sentido que ele dava à vida das pessoas desapareceu, mas essa ânsia de um sentido transcendente não desapareceu. Perante o desespero, as grandes massas acabarão por se entregar nos braços de quem tiver um programa claro e um rumo firme em direcção à transcendência. Não por acaso, as conversões de ocidentais ao Islão estão a crescer, mesmo depois dos actos terroristas dos fundamentalistas. O Islão tem um programa de limpeza moral e isso acaba por agradar às pessoas, mesmo àquelas de quem se poderia dizer que possuem uma moral duvidosa. Talvez ainda não se tenha percebido bem o fascínio que reside na ideia de retorno do filho pródigo. Saliente-se ainda uma coisa para os mais distraídos: as alterações nas configurações ideológicas são muito mais rápidas do que eram há apenas umas dezenas de anos atrás. Neste mundo volátil vai acabar por imperar a força que fomenta e sustenta convicções. É desagradável? Sim, é bastante desagradável...

3 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Como sabes, falo como ateu e agnóstico. Sou, portanto, insuspeito.

Vamos então imaginar que daqui a 30 anos, a Europa, e quando falo em Europa falo nos loiros suecos, franceses e ingleses, depois de um período niilista e de decadência, assume uma forte influência islâmica.

Isso não significa que passemos a viver como os talibãs e as mulheres dos talibãs. Ou que passemos a viver como se vive em Riad.

Não há uma cultura islâmica em abstracto. Há várias identidades dentro do próprio islamismo. O que iria acontecer na Europa seria uma síntese entre séculos de cristianismo (que não iria desaparecer) e elementos novos vindos do islamismo. Provavelmente, se virmos bem, até poderia ser saudável. Há valores positivo no islamismo. E o cristianismo (as igrejas) nunca conseguiram dar resposta aos verdadeiros problemas existencais e sociais das pessoas. Quem sabe se não será uma síntese positiva? As trocas culturais deixam sempre as culturas impuras. Não há um cristianismo puro e um islamismo puro. O que iria acontecer à Europa seria um islamismo de matriz europeia. Não imagines, portanto, as futuras Angelas Merkel fechadas em casa a sete chaves e as francesas loiras a sairem à rua de cara tapada e controladas pelos irmãos ou pais.

Os muçulmanos não são, em abstracto, "eles". A Turquia é um bom exemplo de um islamismo agradável. Não nos esqueçamos do socialismo árabe dos anos 60, fortemente ocidentalizado.

De um ponto de vista teórico e especulativo é-me absolutamente indiferente que os portugueses acreditem na Trindade ou em Alá. É-me absolutamente indiferente que rastejem em Fátima ou se virem para Meca. Ok, vendo bem, prefiro que se virem para Meca.

JR

Jorge Carreira Maia disse...

Só três notas:

1. Quando se discute a trindade ou a unicidade de Deus a coisa parece irrelevante, mas quando se fala na separação da Igreja (ou da Mesquita) e do Estado a coisa é bem relevante.

2. A Turquia não é bem um exemplo de islamismo agradável. Há de tudo e o que segura o laicismo do regime é o exército e os juízes. A vontade popular, no entanto, não é bem essa. A aculturação dos turcos na Alemanha não é nada pacífica.

3. Encontra-se no Islão, ou em sectores cada vez mais importantes, de facto, um projecto de dominação. Do ponto de vista ideológico, é diferente, por exemplo, do comunismo, mas visa o mesmo grau de expansão e tem pelas liberdades idêntico respeito.

Anónimo disse...

Peço antecipadamente desculpa pela extensão da citação que deixo de um pequeno livro de George Steiner, mas parece-me pertinente, a propósito do conteúdo deste post.

«A ideia de Europa está entretecida das doutrinas e da história da Cristandade ocidental. A nossa arquitectura, arte, música, literatura e pensamento filosófico encontram-se saturados de referências e valores cristãos. A literacia europeia desenvolveu-se a partir do ensino cristão. As guerras religiosas entre católicos e protestantes deram forma ao destino europeu e ao mapa político do continente. Houve certamente outros factores que desempenharam o seu papel, mas, absolutamente inseparável da queda da Europa na desumanidade, a partir da Shoah, está a designação cristã do judeu como deicida, enquanto herdeiro directo de Judas. É em nome da vingança sagrada do Gólgota que os primeiros progroms varrem a Renânia na Idade Média. Destes massacres ao Holocausto, o percurso é certamente complexo e por vezes subterrâneo, mas também é indubitável. O isolamento, a perseguição, a humilhação social e política do Judeu tem sido integrante da presença cristã,a qual foi axiomática, na grandeza e abjecção da Europa (...). Actualmete, a cristandade é uma força em declínio. As igrejas esvaziam-se em muitas regiões da Europa. No próprio coração do território papal, em Itália, a taxa de natalidade decresce significativamente. Cerca de mil e seiscentas igrejas anglicanas foram classificadas como supérfluas. Que grande voz cristã teológica fala agora pela Europa culta? A vaga gigantesca de agnosticismo, se não ateísmo, está a iniciar uma alteração profunda na evolução milenar da Europa. Esta transmutação, por gradual que seja, aponta para a possibilidade de uma tolerância sem precedentes, de uma indiferença irónica aos mitos arcaicos da retaliação. Pode surgir uma Europa pós-cristã, embora lentamente e de formas difíceis de prever, das sombras da perseguição religiosa. Num mundo actualmente nas garras do fundamentalismo assassino - seja ele o do sul e centro americanos, ou seja o do Islão -, a Europa ocidental pode ter o privilégio imperativo de produzir, de pôr em prática, um humanismo secular. Se conseguir libertar-se da sua própria herança negra, confrontando-a sem receios, a Europa de Montaigne e Erasmo, de Voltaire e Immanuel Kant pode, uma vez mais, indicar o caminho a seguir.
Esta tarefa pertence ao espírito e ao intelecto. É disparate supor que a Europa rivalizará com o poderio económico, militar e tecnológico dos EUA. Já a Ásia, e em particular a China, prepara-se para ultrapassar a Europa em importância demográfica, industrial e, por fim, geopolítica. Os dias do imperialismo e da hegemonia diplomática da Europa estão tão longínquos quanto os mundos de Richelieu, Palmerston e Bismarck. As tarefas e oportunidades que agora se nos apresentam são precisamente aquelas que testemunharam a intensa claridade matinal da Europa no pensamento grego e na moral judaica. É vital que a Europa reafirme certas convicções e audácias de alma que a americanização do planeta - com todos os seus benefícios e generosidades - obscureceu.(...)»

George Steiner, in «A Ideia de Europa», Gradiva, 2005.