16/11/08

Camané em Torres Novas

Ontem, assisti, julgo que pela primeira vez na vida, a um espectáculo de fado. Durante muito tempo, o fado era uma expressão musical completamente estranha para mim. Há uns anos a esta parte, porém, fui, como noutras coisas, alterando a minha posição proveniente da radicalidade da juventude. O reconhecimento da grandeza de Amália Rodrigues foi a primeiro passo. O segundo foi o fado de Mísia e da nova geração de fadistas. Há uns tempos, reconheci que Carlos do Carmo merece ser ouvido com atenção e descobri um artista excepcional. Camané.

Camané apresentou-se ontem no Cine Teatro Virgínia, em Torres Novas, num belíssimo espectáculo. Acompanhado por uma guitarra portuguesa, uma viola e um contrabaixo (este densifica a tecitura musical). A apresentação evita qualquer exuberância, estando tudo ordenado por aquilo a que eu chamaria uma estética da contenção. A emoção que o fado pretende cantar e fazer surgir no ouvinte é trabalhada de forma a fugir a toda a facilidade. A emoção não explode na exterioridade pública, mas subjectiviza-se, cresce no interior do ouvinte e o fadista, pois Camané é um fadista na total acepção do termo, nunca cede àquilo que o público anseia no seu imediatismo. É muito curioso que no espectáculo de ontem a maior ovação dada foi a um tema, que explora através de um ritmo forte as emoções do espectador, apenas tocado pelos acompanhantes, não estando Camané no palco.

Mas não nos iludamos. Há uma mestria exemplar no domínio da relação com o público. Isso permite que muitos dos textos cantados sejam bastante interessantes, ao mesmo tempo que o artista conduz, lenta mas decedidamente, o espectáculo ao paroxismo, sem nunca ceder ao espalhafato, sem nunca abandonar a contenção. Quando o espectáculo termina, o público está completamente rendido e obriga Camané a dois "encore".

Há uma coisa que ressalta deste espectáculo, como certamente de muitos outros dados pelo artista: o fado contém um potencial musical que ainda pode surpreender e levar-nos muito para além das rotinas em que tinha caído nas décadas de sessenta e setenta.

2 comentários:

maria correia disse...

Camané é isso mesmo: a contenção de uma dor extrema de viver, a contenção de um júbilo latente.Cantados.
A elegância austera.O fado elevado à categoria de arte suprema. Só Amália o fez assim, no feminino. Ainda há deuses na terra.

graça martins disse...

posso-te aconselhar Cristina Branco???

efectivamente os intérpretes de fado portugueses têm dado uma lição e uma contribuição de qualidade à música portuguesa...
Cristina Branco foi-me "pedida" pelo meu professor espanho...quando eu ainda não a conhecia.
Vale a pena,
abraços de
graça