08/03/08

Vasco Pulido Valente - Pelos professores

Hoje, 70.000 professores vêm a Lisboa protestar contra o Governo e a ministra da "Educação". Não posso simpatizar mais com eles. Mas não me parece que tenham percebido bem o fundo da questão: nem eles, nem a generalidade do público. Toda a gente parte do princípio que os professores devem ser avaliados; mesmo os próprios professores, que só criticam o método proposto pela 5 de Outubro. Ninguém ainda disse que os professores, pura e simplesmente, não devem ser avaliados, nem que a avaliação demonstra a (incurável?) deformidade do sistema de ensino. Em cada manifestação aparecem professores furiosos proclamando que não temem a avaliação. Acredito que sim. Infelizmente, não se trata disso.

Uma avaliação pressupõe critérios: parece que neste caso à volta de catorze (e pressupõe avaliadores, muitos dos quais sem qualquer competência científica ou pedagógica ou interesses de uma total irrelevância para a matéria em juízo). Os critérios medem, peço desculpa pelo truísmo, o que é mensurável como, por exemplo, a assiduidade ou notas de uma exactidão discutível, como perfeitamente sabe quem alguma vez deu notas. Não medem nem a "moral", nem o "ambiente", nem os valores da escola ou a contribuição de cada professor para a sobrevivência e a força dessa "moral", desse "ambiente" e desses valores. Numa palavra, não medem a qualidade, de que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso do acto de ensinar. Criam uma trapalhada burocrática que esteriliza e que massacra e acaba sempre por promover a mediocridade, o oportunismo e a rotina. A sra. Thatcher ia matando assim a universidade inglesa.

Os professores não precisam de uma vigilância vexatória e nociva por "avaliações". Precisam de um ethos, que estabeleça uma noção clara e unívoca de excelência. Se o ensino superior for de facto excelente (e não o travesti que por aí vegeta) e se tiver inteira liberdade de seleccionar alunos (como agora não tem), os professores ficarão com um objectivo, o de preparar as crianças para o ensino superior, que os distinguirá entre si, sem regras de espécie alguma; e que tornará o seu trabalho pessoalmente mais compensador, interessante e útil. Desde o princípio que o Estado democrático não compreendeu esta evidência. Começou as reformas por baixo e não por cima. Aturou sem vergonha os mercenários que exploravam a universidade. E de repente quer que os professores paguem a conta do desastre. Não é admissível. [Público, 8 de Março de 2008]

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Não poderia estar mais de acordo. Muitos professores, porém, sabem perfeitamente que o problema não reside na avaliação, mas no «ethos» que guia a prática docente. Sabem também que estas avaliações vão castigar os melhores professores, aqueles que ensinam, e promover os medíocres. Aceitar a avaliação do inavaliável é uma cedência ao Zeitgeist, o reconhecimento de uma impotência perante um discurso ideológico que se apoderou de uma parte dos tecnocratas de serviço e da opinião publicada. Aceitar alguma forma de avaliação é uma tentativa, talvez infrutífera, de tentar que o essencial não seja completamente destruído pelos irresponsáveis políticos que tomaram conta da educação, e o essencial é a transmissão de saber, o conhecimento. Por fim, um agradecimento a Vasco Pulido Valente, a José Manuel Fernandes, a todos aqueles que perceberam, ao fim de três anos, que o que os professores contestam, desde o início deste mandato, é uma concepção de sistema educativo geradora de mais incompetência, um sistema que irá produzir um monumental embuste de sucesso escolar ao mesmo tempo que destrói o que ainda resta de sério na profissão de professor.

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