Mário Crespo - Não houve braço-de-ferro nenhum
Acho espantoso que sobre a ocorrência na Carolina Michaelis várias opiniões insistam que a professora não devia ter entrado em "braço-de-ferro" com a aluna por causa do telemóvel. Não houve "braço-de-ferro" nenhum. A Professora recusou-se a capitular. Não deixou que lhe tirassem à força algo que, no exercício das competências em que está investida, tinha achado por bem confiscar. E não cedeu face a pressões selváticas. E não capitulou face a agressões verbais. E manteve-se digna no posto que lhe foi confiado pela sociedade, com elevação e consistência, cumprindo as expectativas depostas na sua missão. A Dra. Adozinda Cruz é um modelo de coragem que o país tem que aplaudir. Que a nossa confusa sociedade precisa de aplaudir porque é uma sociedade carente de pessoas como ela. A Professora de francês fez aquilo que tinha que ser feito. Sozinha. Porque trabalha numa escola onde o Conselho Directivo tolera que a placa com nome do estabelecimento, baptizado em honra de uma excepcional pedagoga que foi a primeira mulher portuguesa a conseguir leccionar numa universidade, esteja conspurcada, num muro com inenarráveis graffitis que mandam cá para fora a mensagem que lá dentro tolera-se a bandalheira. Numa escola onde durante minutos se ouviu a algazarra infernal dessa bandalheira, onde ela estava a ser agredida e nenhum colega ou funcionário ou aluno se atreveu a abrir a porta e ver se podia ajudar. Foi dessa cobardia geral e conformismo abúlico que a Dra. Adozinda Cruz se demarcou quando não deixou que a desautorizassem. É por isso funesto não lhe reconhecer a coragem e diminuí-la num bizarro processo de culpabilização da vítima. Estar a tentar encontrar fragilidades comportamentais num ambiente de tal hostilidade é injusto. E o facto é que não fora a louvável e pronta actuação do Procurador-geral da República a Dra Adozinda Cruz ficaria sozinha. Abandonada pelo Ministério que a tutela, porque entende que o seu calvário é resolúvel nas meias tintas do experimentalismo burocrático, distante das realidades do terreno e que os problemas de segurança da escola são questões menores que se decidem dentro dos muros cheios de graffitis ameaçadores, em ambientes onde circulam armas e drogas. Abandonada pelas organizações laborais porque não está filiada. Com assinalável candura Mário Nogueira confessou em entrevista que a Fenprof não tinha feito nenhuma intervenção nem a faria porque "a colega não está sindicalizada". Abandonada no arrazoado palavroso do Bastonário da Ordem dos Advogados que, desconhecedor da Lei, achava que tinha que haver queixa para que a Procuradoria iniciasse algum procedimento e que, como tal, a professora deveria ser deixada ao sabor das indecisões da desordem que reina dentro dos muros graffitados. Felizmente o Estado não se limita a estas entidades. O Procurador-geral actuou a tempo e o Presidente da República, ao chamá-lo a Belém, diz ao país e em particular ao governo que o caso não está nem resolvido nem o executivo conseguiu um vislumbre de solução. Talvez fosse importante reforçar esta mensagem de preocupação, solidariedade e cidadania recebendo em Belém a Professora que não se intimida e é capaz de ser firme no meio do caos em que se tornou a educação pública em Portugal. As famílias entenderiam que a tolerância cúmplice e desleixada do Ministério, das escolas, sindicatos e acratas irresponsáveis iria acabar e poderiam começar a mudar o seu próprio comportamento. [Jornal de Notícias, de 31 de Março de 2008]
5 comentários:
De modo nenhum. «Se não podes nada contra eles, junta-te a eles»...Se não consegues impor a tua autoridade, então, puxa-lhes os cabelos também...Se te dão um pontapé, dá também...se te dão uma bofetada, desata ao estalo. Pelo amor de Deus, então isto é defender a dignidade de alguèm ou d euma classe? Então isto é lutar sozinho contra tudo e contra todos? Então isto é «não permitir que a desautorizassem«?Pelo amor de Deus, a senhora professora é humana e seguiu o preceito do errare humanum est, perdeu a compostura e desceu ao nível não só de uma pessoa mal educada, a aluna, como acabou por perder toda a razão, ao entrar no mesmo jogo de agressão. Então não há uma campaínha para chamar o empregado, não há um «toma lá o telemóvel» e agora vais a conselho, vais ao reitor, vais ao director, vou falar com os teus pais? É preciso entrar num «frente a frente»? Mas como é possível defender isto? É um incentivo a que todos os professores façam o mesmo face a uma situação destas? Entrar em rixa com o aluno? Conheço pessoas que viveram situações semelhantes ou piores, piores ainda, e que, contudo, conseguiram manter a compostura. É compreensível que a senhora tenha perdido a cabeça. Porque foi o que aconteceu. Mas dizer que isso é uma atitude louvável...mas onde andamos nós?
Sabe, Maria, a situação pode ser muito mais delicada do que parece. É muito provável que já não exista qualquer campainha. É também provável que não exista um funcionário que possa auxiliar. É muito provável que o sintoma de impunidade possa existir entre os alunos. Penso que a intervenção de Mário Crespo visa menos sublinhar a coragem da professora do que chamar a atenção para o problema.
Pode querer que os tempos são muito diferentes. Aquela professora, uma senhora de 60 anos, está ali sozinha. Não tem ninguém atrás dela que a suporte. É esta a realidade de muitas escolas. Se não fosse o vídeo no YouTube ela nem apresentaria queixa. Porquê? Porque não valeria a pena.
Depois há outra coisa: não tem de fazer parte dos atributos de um professor ter carisma. É preciso que a instituição «escola» tenha regras para que professores competentes possam trabalhar. Estes casos sempre existiram, mas eram contra a corrente. Hoje, porém, a corrente corre noutro sentido. Só isso.
Penso que o país está a acordar para um problema: as crianças e os jovens não são anjos. Entregues a si próprios podem ser de uma violência e de uma crueldade inimagináveis. Há muito que o ME cede ao canto de sereia dos pais. Em todas as escolas correm narrativas, verdadeiras ou falsas, sobre casos de indisciplina que acabam por não ter consequências para os alunos e, muitas vezes, têm-nas para o professor. Estas narrativas são uma espécie de contos exemplares da situação.
De facto, Maria, aquela professora estava ali sozinha contra tudo e contra todos. Era ela a lutar contra a cultura da comunidade, a cultura que este governo quer meter, ainda mais, dentro das escolas.
Cumprimentos,
JCMaia
Acredito que a senhora estivesse, ou esteja só, sei que as coisas mudaram muito, que a impunidade existente em relação aos alunos é um mal a cortar pela raiz, que o ME tem de revalorizar o professor, de dar mais apoios às escolas, logístico e não só, que as campaínhas têm de voltar a funcionar, que a escola pública tem de valer. E de prevalecer. Concordo até consigo, JCM, em que Mário Crespo quis mais do que tudo chamar a atenção para o problema. Mas há maneiras e maneiras de chamar a atenção e o que me pareceu foi que se estava a elogiar a atitude, no fundo, de desespero de causa, da senhora. Ela tem toda a razão do mundo, JCM, mas foi levada pelo desespero. O meu filho e a namorada, estudantes na Universidade Clássica, dizem-me que o que corre entre os estudantes sobre esta situação é precisamente esta ideia: a professora teve razão, a aluna foi mal educada, mas, «mãe, ela nunca deveria ter perdido a calma daquela maneira». Sim, os jovens podem ser uns demoniozinhos ou pior, se não são disciplinados, se não crescem com a ética do respeito pelo outro, se vêem que, de alguma forma, determinada entidade, instituição ou ser está a ser menosprezado. É isso que se passa, creio, criou-se uma espécie de halo de desprezo em redor da figura do professor, agravada com a quase impunidade existente para com o comportamento dos alunos. É triste, eu gostaria de continuar a acreditar que «não há rapazes maus»...Obrigada pela elucidação que fez sobre a situação, JCM. Cumprimentos, M.
Só uma curiosidade. Eu também estudei na clássica de Lisboa. E há uns 5 anos, até num funeral de uma colega de curso, encontrei uma professora minha. Quase sem introdução diz-me: Jorge, já cá chegaram. Fiquei a olhar para senhora e ela, perante a minha perplexidade, diz: aqueles que estão de boné na aula e dizem hum... hum... Depois contou-me uma série de peripécias com alunos do 1.º ano, que mais faziam lembrar um infantário. O problema é muito grave. Amigos universitário dizem-me o mesmo. E parece que a terapia, nas universidades, está a ser aumentar as facilidades...
Também lá andei...outros tempos...
Boa imagem, essa, a dos que «usam boné e dizem hum...hum...»
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