13/03/08

Entre passado e futuro

O conflito que atinge a área da educação em Portugal reflecte um conjunto de aporias que operam subterraneamente e, como não são reconhecidas, não são pensadas e muito menos solucionadas. Vejamos uma dessas aporias.

Ela diz respeito àquilo que a escola deve fazer. Durante muito tempo, era claro que a escola deveria transmitir um conjunto de valores sociais e cognitivos vindos do passado. O currículo era o depositário de uma selecção de valores que a comunidade, para persistir no tempo enquanto comunidade, entendia ser necessário transmitir às novas gerações. De certa maneira, a escola tinha uma função conservadora e estava ligada à autoridade daquilo que vem de trás. A confusão instala-se no momento em que as classes políticas deixam de visar, pela sua acção, a gestão do presente e pretendem criar o futuro e, através de engenharia social, fazer nascer o homem desse futuro.

É o rebatimento deste imperativo político sobre a escola que está a gerar a profunda desorientação que atinge todos os actores. Os valores do passado estão constituídos e podem ser trabalhados e ensinados. A dificuldade reside em transmitir o que não existe. A solução seria então, pensam no íntimo os políticos e os técnicos, não tanto transmitir valores cognitivas, mas uma atitude, uma atitude futurante, uma atitude que transforme todos os alunos em criadores do futuro, planificadores do que há-de vir, gente que pela sua iniciativa domesticaria o tempo que está para chegar.

O curioso é que os actores deste drama não percebem o sem sentido da sua pretensão. O domínio do futuro sempre foi um anseio da humanidade. Para tal, inventou coisas como a astrologia, ou a interpretação dos sonhos, ou o marxismo. Mas, em todos estes casos, o tempo riu-se dos homens e mostrou a puerilidade das suas pretensões. Olho para a ministra da educação e vejo-a tomada por uma fé, a fé de que, por um controlo técnico-burocrático, as escolas passarão a fabricar esse aluno que domesticará o futuro. Que ela não perceba a infantilidade da sua convicção torna tudo o que se está a passar não numa tragédia, mas numa comédia, numa risível comédia de enganos. Comédia porque o futuro é inapreensível e as construções do homem do futuro só têm por modelo aquilo que conhecemos desse futuro: nada.

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