Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Cinco
05 - Gustav Klimt - Malcesine am Gardasee, 1913 [Malcesine no Lago de Garda]
Cinco
Havia dias em que te sentavas na outra margem
e de lá vias-me, pelo cânone dos teus binóculos,
descer a leve encosta do castelo,
entre o casario silencioso, banhado pelas cores,
a madrugada esperançosa sempre as traz.
E eu era um ponto no teu olhar,
uma cabeça que despontava aqui e ali,
e por vezes ficava parada a olhar as arcadas
ou a conversar com quem logo aparecia.
Era um tempo tão lento
e a tua alma batia ao ritmo que o tempo
te trazia. Era uma alma branca
como o teu rosto e havia nela
um cansaço surdo que, mal te via,
os olhos se te fechavam e desfaleciam.
Se me sentava a teu lado,
nessa margem secreta que ninguém vê,
era para te falar das águas do lago
e do vasto mundo que não sei.
Depois, apanhávamos um barco
e navegávamos de margem a margem
e no ancoradouro, enquanto as velas
se recolhiam, olhávamos as casas
e nelas sonhávamos os passos a dar,
com o coração a bater e as mãos suadas.
Oiço vozes a cantar, dizias,
e eu levava-te ruas fora,
rumo à perfeita tarde
onde despias a solidão
que te cobria de perfume as faces.
Talvez fosses uma deusa ou uma ninfa disfarçada,
talvez uma sombra ou uma porta,
ou um rasto de luz a inclinar os meus olhos,
ou um segredo que, sob arcos, ali se escondia.
Talvez fosses a margem de onde me vias
ou o barco onde falávamos,
talvez uma casa, um pátio, a pequena rua,
talvez o lago que por mim então chamava.
1 comentário:
Bela legenda para a tela de Gustav Klimt.
A ansiedade da descoberta. O percurso do sonho. A solidão. A escassa certeza e a extensa penumbra do desconhecido:
“para te falar das águas do lago
e do vasto mundo que não sei”.
Talvez o monólogo ou o diálogo imaginado de Malcesine.
O poeta em voo de cruzeiro.
Confirmando, de há bastante, a solidez dos maduros e consagrados.
Falta trazê-lo ao grande público, que não lhe regatearia encómios.
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