Padrinhos e afilhados
Portugal, mas não só, é uma país esquizofrénico. Vive dilacerado entre uma legislação que tenta imitar o quadro legal dos países do norte da Europa fundado na religião protestante, e uma cultura mediterrânica, onde a família e os amigos possuem enorme preponderância. A figura do padrinho não é, em primeiro lugar, um fenómeno mafioso. É, antes, um fenómeno de integração social, numa sociedade marcadamente patriarcal, onde uma hierarquia de vassalos prestam tributo a um suserano, o padrinho. Este protege a família, uma família alargada para lá dos laços de sangue, distribuindo encargos e proventos em conformidade com os seus interesses, que acabam por ser os interesses dessa família. Todos estes casos de corupção que agora saltam nos jornais, bem como os inúmeros que nunca viremos a conhecer, são o fruto de uma cultura com centenas de anos, talvez mesmo milhares. É por isso que ninguém condena seriamente os corruptos e os corruptores. São eleitos, se forem a votos, pois contribuem de forma concreta para o bem comum, mesmo que isso signifique que contribuam mais significativamente para o seu bem. Mais do que acabar com padrinhos e afilhados, os portugueses pretendem ou ser afilhados de alguém ou, os mais ousados, ascender à categoria de padrinho, e assim fundar e proteger a sua família. As relações abstractas que existem entre os cidadãos do norte da Europa, onde todos são efectivamente indivíduos iguais perante a lei, são incompreensíveis em países onde o indivíduo é menos importante do que o grupo familiar de onde provém. As relações de sangue e as relações de amizade são concretas, os ditames da lei ou o bem comum geral, puras abstracções. Gostemos ou não. O resto é o espectáculo desta nossa esquizofrenia.
1 comentário:
Seja isso que diz.
Mas então a designada União Europeia, só pode ser uma miragem ou um mito.
Concordo com a natureza que abrange o povo português e que de uma forma geral, caracterizou.
Mas como nos poderemos, nós, integrar nessa Europa tão ortogonal nos termos sociais?
Como poderemos nós abdicar da ductilidade do nosso espirito modelado pelo mundo fora, à luz do sol e ao calor da terra quente?
Como poderemos nós ser tão áridos nos sentimentos acicatados pela imensidão que sentimos na alma, após um almoço bem regado onde nos atulhamos de boa vontade para satisfazer as cobiças dos anfitriões?
Temos séculos desses momentos.Como poderemos nós retirar dos nossos cromossomas-memória, os codões que pontificam na nossa evolução de seres mediterrânicos?
De facto isto é uma grande pessegada.
cumps
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