A morte de Robert Enke
Por causa do presuntivo suicídio do antigo guarda-redes do Benfica, Robert Enke, actualmente a jogar no Hannover 96, João Gonçalves escreve isto, e o Zé Ricardo, isto. Mas talvez a questão do acto de Enke não resida nem em Deus nem na alma, não possua uma explicação filosófica, ou teológica, ou sociológica. Talvez a explicação seja idêntica àquela que se dá quando alguém morre de cancro ou de tuberculose, ou sei lá eu de quê, tantas são as estratégias da morte ligadas às patologias. Se Thanatos escolhe uma desregulação na multiplicação das células, uma pneumonia ou uma depressão que aniquila o livre-arbítrio e conduz o paciente para a auto-imolação, estará a fazer coisas diferentes? Tecnicamente falando, do ponto de vista da ordenação jurídica da vida, o caso de Enke foi um suicídio, mas terá sido? A morte por cancro é um suicídio?
3 comentários:
Nada sei de suicído nem de questões filosóficas, nem tão-pouco ousaria julgar quem opta por pôr fim aos seus dias (será verdadeiramente uma opção?). Não julgo e curvo-me, com profundo respeito, perante quem não pôde suportar a sua dor. Quem se suicida sofrerá certamente de uma patologia terrível e não consigo imaginar até que ponto o desespero e falta de esperança se podem assim apoderar do ser humano.
Talvez possamos estabelecer um paralelismo com outras doenças que se abatem sobre o ser humano, como refere no seu texto, mas a sua última questão lembrou-me uma grande diferença. Muitas vítimas de cancro (ou outras doenças) mantêm viva, até ao fim, a vontade de viver. É a "doença física" que os vence e os leva, pois no seu corpo enfermo, que se some e corrói dia após dia, há uma alma ou espírito preso à vida e aos que amam. Com alguém que se suicida, julgo que há esta grande diferença: um suicida já morreu antes mesmo da sua morte física, por estar já irremediavelmente desligado da vida. O drama é ninguém dar por isso.
Há uns anos, Rainer Werner Fassbinder realizou um filme mítico: «A Angústia do Guarda-redes no Momento do Penalty»...se tivesse de escrever um artigo sobre o suicídio de Robert Enke, dar-lhe-ia este título, pedindo autorização ao espírito de Fassbinder,se pudesse, pois o realizador também se suicidou, faz bastante tempo. O suicído é um tema querido aos alemães, e vem-me sempre à memória, em alturas destas, o suicídio de um outro alemão, mestre da escrita, Heinrich von Kleist. Foi um suicídio com todas as notas do romantismo alemão nele impressas. Um suicídio de amor e por amor à amada Henriette, um suicídio a dois. Confesso que sinto o fascínio do abismo por este tema (não, não penso suicidar-me)e respeito profundamente quem toma essa decisão. É algo do foro íntimo, todos sabemos que há sempre alternativas, todos sabemos que em alguns casos se poderá tratar de um acto de desespero. No caso de Kleist e no de Fassbinder, foi uma decisão tomada conscientemente. Eles não queriam viver. Estavam fartos disto. No caso do jovem Enke, não sei. Sei apenas que, naqueles instantes, antes de o comboio se aproximar demais, terá vivido a sua última «angústia no momento do penalty». Respeito-o profundamente por essa coragem. E espero que Deus não o condene,como os católicos, lá do outro lado da vida. Até sempre, Robert Enke.
Sugiro leitura de ATENTAR CONTRA SI - DISCURSO SOBRE A MORTE VOLUNTÁRIA, de Jean Améry (o autor suicidou-se em 1978 num hotel de Salzburg), Assírio & Alvim, 2009 ISBN 978-972-37-1406-7
Luís Guerra
luis.guerra@assirio.com
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