O apagamento da figura humana
Hoje reparei numa coisa que estava a escapar-me. Desde que comecei, aqui no blogue, a publicar poesia feita em cima de quadros, a exibição da figura humana, nesses quadros, foi-se tornando cada vez mais rara. Há séries onde ela é constante, mas nas úlimas séries, actual incluída, são cada vez menos os quadros onde se vislumbra um ser humano. Não quer dizer que os não haja. A primeira série deste género que publiquei, uma série feita sobre - em cima de - quadros de Gustav Klimt, tinha um certo equilíbrio entre quadros onde a figura humana estava presente e outros onde ela estava ausente. Vista daqui parece o prenúncio de uma certa esquizoidia, entendida esta na sua raiz grega, que remete para uma cisão, uma fenda que se abre na forma das coisas, neste caso da realidade humana.
Esta evolução, provavelmente passível de reversão, não representa um acréscimo de misantropia, nem um culto tardio dos deuses silvestres, nem uma patologia específica, espero. Por vezes, a humanidade cansa-nos, ou cansamo-nos de nós próprios, o que vai dar ao mesmo. Isso seria uma boa razão para o seu esquecimento. Um olhar enviesado sobre o homem, por outro lado, pode ser mais penetrante, poeticamente falando, do que um olhar directo. Ao ir apagando a figura humana, deixo pairar perante o olhar as suas obras, a aldeia que fez nascer, a paisagem que deixou subsistir, a casa que construiu, a ponte que ergueu entre duas margens. Estas obras humanas transfiguradas pela arte acabam por tornar o Homem, apesar de tudo, mais aceitável. São uma ilusão, mas são aquela ilusão que permite não desesperar completamente da humanidade. Esquecer os homens nas suas obras, naquelas sobre as quais a arte fez cair o véu da ilusão, poderá ser a condição necessária para os aceitar.
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