06/11/09

O fim da infância



Há dias disseram-me que a casa onde nasci tinha sido demolida. Em sua substituição está, um pouco atrás, a ser construída uma outra. Apossou-se de mim uma sensação de vazio, como se só agora me tivesse realmente separado dela. Não sei que relação as pessoas têm com as casas onde nasceram, mas eu tinha uma relação muito forte, embora a casa já não estivesse na posse da família há cerca de 30 anos. Foi ali que vi o mundo, que descobri a luz, que sujei as mãos na terra, que vi a erva pela primeira vez. Foi lá que descobri o céu e os astros. Foi lá que o meu pai fez o meu primeiro presépio, com um céu azul e estrelas e um Menino nas palhas. Foi lá que vi os primeiros animais, foi lá que vi a minha avó chegar uma e outra vez, com os cabelos que para mim sempre foram brancos. Foi lá que escutei os meus tios-avós, os donos primitivos da casa, de quem ainda guardo uma grata recordação. Foi lá que ouvi a voz da minha mãe e que vi as suas flores, e escutei as suas orações. Foi lá que descobri a água dos poços e os frutos da terra. A demolição dessa casa, já irreal, representa a expulsão definitiva do paraíso e a sentença de um retorno impossível, mesmo que ele fosse ilusório e nunca verdadeiramente desejado. Talvez a minha infância tenha agora acabado de acabar. Não tenho casa onde voltar.

2 comentários:

Alice N. disse...

Permita-me uma perspectiva divergente, depois de ter lido este lindíssimo e emocionante testemunho.

A infância é o único tempo que o tempo não consegue roubar-nos e a casa onde crescemos é a única que não necessita de paredes para o ser.

Eu também tenho uma casa assim, sem paredes nem tecto, numa rua removida do mapa, numa cidade simultaneamente próxima e distante. É lá que fica a minha casa invisível e indestrutível e é para lá que, por vezes, gosto de regressar. É ali que revivo momentos felizes, ao lado dos que amo e dos prematuramente me deixaram. E é ali que saboreio um tempo em que não havia tempo e tudo era promessa de eternidade.

Com ou sem paredes, próxima ou distante, a casa da nossa infância é a casa onde podemos sempre voltar, porque uma casa não é as suas paredes mas o que nela fomos, pudemos e soubemos viver.

maria correia disse...

A casa da minha infância (a casa da minha vida embora já lá não more)ainda existe. O que já não existe lá é a olaia da minha infãncia. Foi derrubada, pois é, as árvores morrem de pé e ela morreu d epé, às mãos assassinas de quem não a respeitou. Enorme, frondosa, um tronco que não conseguia abraçar nem na já na minha fase adulta, coberta d elilás rubro na Primavera e Verão e de um verde profundo quando a flor caía...a sua destruição física causou-me e causa uma dor enorme ainda, ferida aberta para a tristeza do irrecuperável.Contudo, como diz a Alice N., existem espaços que continuamos a habitar para sempre, por mais destruídos, derrubados ou longínquos que se encontrem. Pois é. Um dia tenho de escreve rum conto sobre a minha olaia...