03/10/08

Vasco Pulido Valente - O começo do fim

Dizem que ganhou Obama. Por mim, achei McCain mais seguro. De qualquer maneira, para lá da polémica e da propaganda, o que emergiu pouco a pouco do debate foi o fim da América como a potência dominante do mundo - a "hiperpotência", para usar o calão dos peritos. Que me lembre, em Portugal, só Mário Soares falou sobre o assunto e ninguém o levou muito a sério (aproveito agora para lhe pedir desculpa). Mas para continuar: Obama e McCain definiram com toda a clareza os compromissos globais da América (embora com uma significativa discordância) e, como os definiram, esses compromissos, não são cumpríveis. Nem militar, nem económica, nem politicamente.

Obama, que durante a campanha "moderou" as suas posições, quer "sair" do Iraque daqui a um ano e meio. Tirando o erro inconcebível de marcar uma data, se no futuro previsível a América sair do Iraque, deixa atrás de si - no Iraque e no Médio Oriente - uma desordem perigosíssima e sem conserto. McCain julga que o surge do general Petraeus está a ganhar a guerra. Não está; e entretanto a guerra custa 10 biliões de dólares por semana e já custou até hoje perto de um trilião de dólares. Pior ainda: o fracasso da intervenção usou e desgastou o exército americano muito para além do tolerável e o recrutamento começa a ser difícil. Para recuperar, a América precisa de anos de paz (como precisou depois do Vietname). Infelizmente, não haverá paz tão cedo.

Mesmo que Obama acabe com a aventura do Iraque (uma pura fantasia eleitoral), é para transferir o grosso das tropas para o Afeganistão, que ele considera o objectivo principal. McCain também vê a maior necessidade de "reforçar" o Afeganistão. Nem um, nem outro devem perceber o esforço económico e humano que o exercício implica ou a irracionalidade de transformar, a tiro, um país tribal num Estado moderno. Nada lhes parece insensato ou extremo: impor à Rússia uma fronteira da NATO do Báltico ao mar Negro; "defender" a Geórgia; impedir (por que meios?) que o Irão venha a ter qualquer espécie de armas nucleares; fazer com que a Coreia do Norte inutilize as que tem; e, evidentemente, "reorganizar" a Venezuela e a Bolívia. A América pensa (e continua a agir) como uma "hiperpotência". É uma ilusão. A tecnologia militar não chega. Sem peso político, sem uma clara hegemonia económica e sem um exército praticamente inesgotável (e dinheiro para o pagar) existem limites que é mortal passar. E a América "sobreestendida" e dependente de 2008 passa, dia a dia, esses limites. [Público, 3 de Outubro de 2008]

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