05/10/08

Sob o signo da vulnerabilidade

O Presidente da República, no discurso do 5 de Outubro, veio falar nos tempos difíceis em que se vive e na necessidade dos agentes políticos não iludirem a realidade. Assim sendo, uma coisa já é oficial: os tempos que se vivem são efectivamente difíceis, de tal maneira difíceis que não há espaço para os iludir. Afinal a crise não é apenas um devaneio de uns quanto pessimistas de serviço. De um outro lugar, do lugar da Igreja, veio a opinião de Frei Bento Domingues: “Vivemos um tempo de incertezas que nos tornam vulneráveis sob o ponto de vista social, económico e afectivo.”

O equívoco de todas estas palavras reside na ilusão optimista que lhes está subjacente. Parece que é a crise ou as incertezas que apelam à verdade e nos tornam vulneráveis. Mas a realidade é completamente diferente. O homem é um ser por essência vulnerável. A vulnerabilidade está inscrita no seu ser e no ser das próprias comunidades e instituições em que o homem vive, e esta é a sua verdade. Não são os tempos difíceis ou de incerteza que nos tornam vulneráveis. Os tempos de crise e de incerteza apenas mostram a realidade que, noutras alturas, escondemos. Mais, nas alturas em que tudo parece correr bem, nem vemos a crise, a incerteza e o desespero que atingem os outros. Isto para não falar de que, muitas vezes, os tempos de certeza em que uma parte de nós vive se constroem na incerteza e desespero de terceiros. A vulnerabilidade do humano está sempre patente, o nosso olhar, porém, está demasiado inclinado para a querer ver.

A única solução, se é que há uma solução, é aprendermos a viver sob o signo da vulnerabilidade. Aceitar a condição que é a nossa, da nossa comunidade e das nossas instituições, aprender a lidar com essa vulnerabilidade e perceber que, para além do mundo da concorrência – mundo legítimo, aliás –, existe o mundo onde os homens cuidam da vulnerabilidade uns dos outros. Se quisermos pensar a essência do político, deveremos pensar não na concorrência que anima os mercados, mas na vulnerabilidade que leva os homens a desejarem cooperar uns com os outros. A vulnerabilidade própria e a necessidade do cuidado são os fundamentos da comunidade política. São eles inclusive que dinamizam a construção das instituições e a organização do Estado enquanto lugar onde impera a lei e o monopólio da violência legítima. A questão política então é: como poderemos mobilizar os cidadãos que vivem em comunidade para cooperar no fortalecimento de instituições que existem sob o modo de ser da vulnerabilidade? A verdade, todavia, é que o actual modelo de relações sociais está longe de ser, para largas franjas da população, mobilizador. Isso deveria preocupar aqueles a quem se entregou a direcção do Estado e a gestão dos negócios públicos. Será que preocupa?

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