15/08/09

A paródia pós-moderna

A Condição Pós-moderna, escrita como uma encomenda oficial, restringe-se essencialmente ao destino epistemológico das ciências naturais - a cujo respeito, como Lyotard mais tarde confessou, o seu conhecimento era menos do que limitado. O que ele entreviu nelas foi um pluralismo cognitivo, baseado na noção - inédita para os públicos franceses, embora já há muito estereotipada para os anglo-saxonicos - dos diferentes e incomensuráveis jogos linguísticos. A incoerência da concepção original de Wittgenstein, muitas vezes notada, foi apenas acrescida pela afirmação de Lyotard de que tais jogos eram autárcicos e agonísticos, como se pudesse haver um conflito naquilo que não possui uma medida comum. A influência subsequente do livro esteve, neste sentido, em relação inversa ao seu interesse intelectual, quando se converteu na inspiração de um relativismo vulgar que, muitas vezes - aos olhos quer dos amigos, quer dos inimigos - passa pela marca do pós-modernismo. [Perry Anderson, As Origens da Pós-Modernidade. Lisboa: Ed. 70, pp. 39/40]


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Esta mesma marca de irrelevância intelectual de um dos mais famosos livros sobre a pós-modernidade é assumida pelo próprio Lyotard: "Inventei histórias, referi-me a um rol de livros que nunca lera, aparentemente causou impressão nas pessoas, mas tudo se resume a um pouco de paródia... É o pior dos meus livros; quase todos são maus, mas este é o pior": [Lotta Poética, Terceira Série, Vol. l, N° l, Janeiro 1987, p. 82 (idem, pp. 39)].


Há, no entanto, qualquer coisa no livro de Lyotard que é pregnante. Essa força advém-lhe do próprio carácter paródico. Lyotard podia saber pouco do que falava no seu célebre relatório, podia ter inventado histórias, podia citar livros que nunca lera, mas isso não torna a sua obra menos significativa relativamente ao espírito pós-moderno. Pelo contrário, o livro como atitude intelectual parece ser o resumo da pós-modernidade, do carácter paródico em que a própria vida e o saber se tornaram. A pós-modernidade é esse momento que, após a solidez material do mundo moderno, tudo se dissolve, se torna leve e risível.


A risibilidade da existência só encontra o seu outro na risibilidade do saber, de um saber que cresce exponencialmente, mas com o qual os seres humanos são cada vez menos sábios e menos humanos. Um relatório sobre o destino epistemológico das ciências naturais pode ser um motivo tão válido como uma investigação sobre colecções de cromos da bola para evidenciar o carácter risível do mundo. Lyotard escolhe muito bem a palavra paródia, evitando a referência directa à comédia. Esta deve ser sempre pensada na sua relação ancestral com a tragédia. A segunda, no dizer de Aristóteles, trata dos homens superiores, enquanto a primeira trata dos homens comuns ou inferiores.


Ora a paródia pós-moderna trata da ausência dos próprios homens, superiores ou inferiores, do mundo da vida. Ela assinala o lugar onde o homem se ausentou de si mesmo, dissolveu-se, reduziu-se a uma condição onde inferior e superior apenas fazem sentido entendidos num contexto zoológico. No entanto, não se deve interpretar o zoológico como referência a uma ciência, ainda que taxionómica, como a Zoologia. Deve ser ligado àquilo que entendemos quando escutamos a expressão "jardim zoológico". Ali os animais são criados em cativeiro para exposição pública. A pós-modernidade refere-se ao momento em que o mundo da vida se resume a um jardim zoológico, onde diferentes espécies de macacos se exibem perante outros macacos. A paródia é o contexto da risibilidade do animal humano reduzido ao horizonte dos seus apetites naturais. Um deles é exibir-se paroxisticamente perante o próximo. A característica essencial, porém, da paródia é o seu carácter de reinterpretação de um original. Agora os animais humanos parodiam o homem que um dia foram.

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