28/08/09

A exemplaridade do Bloco de Esquerda

No Público de hoje, Vasco Pulido Valente faz uma análise ao Bloco de Esquerda, a partir de uma entrevista concedida por Francisco Louçã à revista Sábado. Como conclusão, VPV diz: “O Bloco é um buraco, um vazio, um intervalo. Ou, mais precisamente, é o refúgio de quem não quer votar PC ou já não quer votar PS e por qualquer outra razão, sentimental ou outra, detesta a direita. Tirando o palavreado e a pretensão de virtude, não existe.” Genericamente, concordo com a análise feita. No entanto, há algo de essencial que escapa a VPV. É um facto que, enquanto força de esquerda, o Bloco não tem a solidez do PCP ou mesmo do PS. O Partido Comunista estrutura-se na relação com a classe operária, uma relação baseada numa promessa de emancipação da opressão proveniente de uma sociedade classista. O PS foi e é, de certa maneira, o partido da burguesia urbana e radical, “nascido” entre a casta da advocacia (Soares, Zenha, etc.) e, hoje em dia, muito ligado a um certo mundo universitário. O BE, porém, é claramente uma emanação das sociedades pós-modernas. Aquilo que parece ser negativo na leitura de VPV, o facto do BE ser um “buraco”, um “vazio”, um “intervalo” ou mesmo um “refúgio”, é a força do BE. Quando Louçã diz que o “Bloco nasceu de ‘uma exigência’ profunda de aggiornamento da esquerda”, diz qualquer coisa que VPV não percebe, e que talvez nunca possa vir a perceber. O aggiornamento não se refere a uma refundação programática. Essa é impossível. Não é possível, nas sociedades tardo-capitalistas, um programa de esquerda, mesmo que, por vezes, possa haver algum crescimento dos tradicionais Partdos Comunistas. Esse aggiornamento nasce da própria estrutura ideológica que dirige o BE. Já não existe uma “grande narrativa” como a que preside ao PCP, mas um conjunto de pequenas histórias que mobilizam a acção política para pequenos casos concretos. Com certa razão, o PCP acusa o BE de ser um partido de causas mas não de princípios. O problema, porém, é que nas sociedades pós-modernas os princípios fazem pouco sentido, tornaram-se meras abstracções, frases vazias apenas alimentadas pelo fervor dos militantes. O que é fulcral neste tipo de sociedades não é a solidez da classe operária ou a afirmação da burguesia, mas a ausência de solidez e de afirmação, aquilo que VPV chama “buraco”, “vazio”, “intervalo”. O BE é um partido político autenticamente pós-moderno, no sentido que explorou a seu favor o buraco, o vazio, o intervalo, a ausência, o niilismo que se intensifica na transição da modernidade para a pós-modernidade. Por isso tornou-se um refúgio, mas o que VPV não percebe é que as sociedades pós-modernas são constituídas cada vez mais por refugiados. O único partido que se aproxima desta percepção social, mas no pólo político oposto, é o Partido Socialista de Sócrates. Sim, no pólo político oposto. Não por acaso, muito empresários gostam de Sócrates e das suas políticas, para desgosto da direita tradicional. Por tudo isto, VPV está mais uma vez desfocado quando, a propósito da crítica que Louçã faz às elites políticas dirigentes, escreve: “Claro que o Bloco, coitado, se julga a nova elite.” O problema é que o Bloco representa de facto o tipo de elite política que vai emergir, ou que já está a emergir, uma elite pós-moderna, uma elite que pretende ocupar o vazio, o intervalo, e o voto dos “refugiados”, pois haverá "refugiados" de todas as cores. A direita tradicional, depois do episódio Manuela Ferreira Leite e da(s) presidência(s) de Cavaco, não será estruturalmente muito diferente.

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