21/08/09

Brincar aos regimes

Agora que se aproxima a passagem de um século sobre a proclamação da República, parece recrudescer a actividade de alguns nostálgicos da monarquia. É legítimo, pois vivemos numa sociedade democrática, e não se devem censurar os ideais particulares de cada um. Por vezes, entrego-me a um devaneio e ponho-me a imaginar o que haveria de diferente entre este Portugal republicano, governado por Sócrates, e um Portugal monárquico, que só poderia ser governado por Sócrates. Pouca coisa. Em vez de Cavaco Silva, Presidente, teríamos Duarte Pio de Bragança, Rei. É certo que Cavaco é uma espécie de tesoureiro-mor alcandorado a patrono da pátria, mas que dizer de Duarte Pio? Não há palavras que o possam descrever. De Cavaco podemos livrar-nos ao fim de cinco anos, no máximo dez. Com Duarte Pio, teríamos de ter constantemente no pensamento a hora da sua morte, o que não deixaria de ser mórbido. Depois, seria preciso orar aos deuses para que o primogénito fosse minimamente capaz e recomeçaria todo o ciclo, no qual não teríamos mão, a não ser à maneira de Alfredo Costa e Manuel Buíça. Não é preciso mais nada para preferir a República, onde a legitimidade do Presidente deriva da escolha popular, a uma Monarquia sempre com défice de legitimidade. Com a actual separação da Igreja e do Estado, um Rei seria sempre ilegítimo. A Monarquia assentava num princípio hereditário, onde o poder temporal era derivado da unção da autoridade espiritual, a Igreja. Contrariamente ao que pretendem os monárquicos, a República não tem nenhum défice de legitimidade. Aliás, a sua implantação é muito semelhante à da Monarquia Portuguesa. Esta resulta de uma rebelião contra o poder instituído na altura e foi legitimada, posteriormente, pelo Papa. A República nasce da rebelião contra o poder instituído e legitimou-se, posteriormente, através do sufrágio popular, e legitima-se sempre que elege um novo Presidente. Até um monárquico como Salazar percebeu que não era bom andar a brincar aos regimes, e mexer na natureza republicana do Estado português.

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