07/02/08

A Lúria e o Casal da Coelheira

Sou um adepto incondicional do sável frito com açorda de ovas. E o melhor sável que conheço é o do restaurante “A Lúria” (na Portela, S. Pedro, Tomar. Quem vai para Castelo de Bode, vindo do IC 3, esteja com atenção às placas que surgem do lado direito). O peixe vem muito bem fatiado, bem fino, frito como deve, isto é, sem estar ensopado em óleo, acompanhado por uma açorda de ovas bem temperada, de gosto suave, como se o pão se tornasse etéreo e contrariasse a gravidade. Na última visita a “A Lúria”, nesta bendita Quarta-Feira de Cinzas, não me fiquei pelo meu amigo sável. Como, com a idade, me vou tornando avesso à carne, experimentei o polvo na brasa, acompanhado de batata a murro e migas. Também aqui nada de excessos, tudo no equilíbrio perfeito, na justa medida como ensinavam os filósofos gregos. E que justa medida é essa? O polvo era tenro e vinha temperado com um leve fio de azeite, nada de tentáculos a boiar num mar de oleosidades. As pequenas batatas afinavam pelo mesmo diapasão, o tempero tinha apenas a finalidade de sublinhar a qualidade do tubérculo. As migas combinavam a couve portuguesa cortada, nem muito fina nem muito grossa, o feijão manteiga e pequeníssimos pedaços de broa. Até aqui nada de surpreendente, mas os vários elementos apresentavam-se soltos, leves, sem untuosidades, onde cada um sublinhava o sabor e a especificidade dos outros, numa combinação perfeita. A sobremesa foi, para fazer jus à cidade, uma fatia de Tomar. O que me agrada na cozinha deste restaurante é a aliança entre a comida tradicional portuguesa, tendencialmente pesada, e um sabor leve, subtil e delicado, fruto de um trabalho atento aos elementos e às transformações alquímicas que fazem do chumbo ouro.

Quase me esquecia. O vinho foi um tinto reserva (nunca bebo branco maduro) do Casal da Coelheira, do Tramagal. É um vinho que apresenta uma excelente relação qualidade preço (10 € no restaurante, cerca de 6 em supermercado). Esta casa do Tramagal continua a evoluir no bom sentido e este reserva é uma confirmação daquilo que começou com, se não me engano, Terraços do Tejo. O Ribatejo ainda vai dar muito que falar nos vinhos. A Lúria e o vinho Casal da Coelheira são lugares que merecem a multiplicação das visitas.
[A foto mostra a família que anima o restaurante, e foi retirada do site do Rádio Cidade de Tomar]

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