10/02/08

As falácias de António Barreto

Como é possível que um homem como António Barreto fale com tanta altivez do que não sabe? Como é possível que a crença ideológica na bondade da municipalização do ensino lhe obscureça a independência e a objectividade que deveria ser a do cientista social? No artigo de hoje no Público, fez de novo a sua apologia da entrega das escolas às câmaras, verberou os centralistas educacionais, e fantasiou sobre uma realidade e sobre motivações que claramente não conhece. Vejamos três pequenos exemplos.

Diz António Barreto «E a criação do conselho geral da escola, com a participação de pais e autarcas, é uma boa indicação que poderia enriquecer o sistema educativo.» Se António Barreto conhecesse a realidade talvez não dissesse isto. Há muitos anos que os pais, as autarquias, as associações locais estão representados na Assembleia de Escola, órgão que foi agora substituído pelo Conselho Geral. Que contributo deram essas incensadas presenças para a melhoria do ensino? Parece que nenhuma, pois, ao fim de tão longa experiência, a escola portuguesa, no dizer de muitos, está de rastos.

Diz António Barreto: «Nas escolas, como em qualquer instituição, a autoridade difusa, camuflada de colegial, tem dado maus resultados.» Eu não sou defensor do actual modelo de gestão, mas gostaria de ver evidências empíricas da maldade da existência de uma gestão eleita e projecções convincentes sobre a bondade da nova forma de gestão. O que me espanta é um cientista social fazer pura ideologia, sem qualquer sobressalto na consciência. Depois, gostaria que me explicassem, com evidência empírica, duas coisas: 1. quais as causas efectivas dos maus resultados do sistema educativo português, analisando todas as variáveis em jogo e não ocultando algumas que interessam, por motivos ideológicos, ocultar; 2. por que razão a escola portuguesa, aquela que não presta, envia tantos alunos para a universidade, por que motivo uma percentagem significativa desses alunos se perde e por que razão muitos dos que terminam os cursos não encontram trabalho de acordo com a formação?

Diz António Barreto «O afastamento das comunidades e das autarquias, relativamente às suas escolas, tem tido, há décadas, consequências nefastas, nomeadamente a do desinteresse dos pais pelo destino das escolas dos seus filhos.» Como é possível uma pessoa intelectualmente honesta estabelecer esta relação? Em primeiro lugar, o conceito de comunidade é, ele sim, tão difuso que não significa nada. Mas como é que o afastamento dessa entidade mítica e das autarquias implica o desinteresse dos pais? Que relação lógica existe entre uma coisa e outra? E o que explica o desinteresse dos pais pela aprendizagem dos filhos? Será também o não controlo das escolas pelas autarquias? Como é possível fazer passar tanta falácia como mercadoria decente e de boa lógica?

Mas se António Barreto, em vez de fazer ideologia, quisesse estudar por que razão os professores se opõem à gestão dos docentes pelas câmaras, encontraria, não o fantasioso medo de aparecerem escolas revolucionárias no Alentejo ou reaccionárias no Minho, mas a questão do nepotismo, da protecção dos amigos políticos, do recrudescimento da desigualdade de tratamento dos alunos. Como é possível que uma das autoridades da doxa nacional emita opinião sem cuidar de saber do que fala?

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