18/02/08

Considerações sobre a nossa república

Montesquieu considera a existência de apenas três formas de governo. A monarquia, a república e a tirania. Cada uma destas formas de governo possui o seu princípio de acção estrutural e dominante. Na monarquia a acção visa a honra, na república visa-se a virtude e na tirania é o medo o princípio de acção. Se na tirania não existe um orgulho específico que presida à acção, já o mesmo não se passa nas outras duas formas de governo. Na monarquia, a honra brota do desejo de distinção; na república, a virtude significa não ser objecto de privilégios públicos especiais.

Que poderemos nós, porém, pensar da nossa república? Se olharmos não para a forma institucional do nosso regime político, mas para a prática efectiva descobrimos, no momento histórico em que vivemos, uma dupla perversão do ideal republicano. Por um lado, o que muitos republicanos procuram é a honra inerente à visão monárquica do mundo, fundada num proveito económico proveniente do privilégio. Mas esta perversão da virtude republicana é apenas uma face da moeda. A outra é o medo crescente que se espalha, como um câncer, na sociedade.

A República Portuguesa vê o seu princípio de acção a ser dilacerado. Não por acaso, o aniversário do assassinato de D. Carlos trouxe à luz uma certa nostalgia monárquica. A essência desta nostalgia não se encontra nos pobres monárquicos de serviço à causa. Ela encontra-se naqueles que vivendo dentro do regime republicano o sugam e pretendem ver glorificada a sua novel posição. Mas enquanto se permite, através de uma justiça inoperante, a gestação dos aspirantes à honra monárquica, por outro lado, o sentimento de aspiração à igualdade, virtude primeira da república, é desfeito pela a acção política dos grandes partidos republicanos. Aqui, como descobrimos ao olharmos para a sociedade portuguesa, é o medo que começa a funcionar. Ora o medo não é mais nem menos do que o princípio de acção nas tiranias.

Quando o princípio de acção de uma forma de governo deixa de ser dominante, então ela está perto do seu fim. Há uma estranha ironia em tudo isto estar a passar-se quando se aproxima o centenário da proclamação da República Portuguesa. Não menos irónico é pensar que o Estado Novo foi uma estranha combinação de monarquia e de tirania sob a forma de uma república. Nessa república, o presidente era como se não existisse, aquele que efectivamente governava era monárquico e o que estava no verdadeiro lugar era apenas e só o medo.

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