09/12/09

Uma estranha pátria



O desafio. Ser racional e desconfiar da razão. Viver racionalmente na conduta social e privadamente descobrir os limites dessa racionalidade. Será a razão filha da política? Resultará essa faculdade do exercício do cálculo na relação com o outro e da necessidade de agir segundo a justa medida? Será ela um produto da praxis? A tradição ocidental pensou o homem como animal racional. Nietzsche pensou-o como uma ponte entre o animal e o sobre-homem. Mas se o homem é uma ponte, que coisa nele fará com que seja essa ponte. Não a condição animal, pois essa é uma das margens. Resta a conclusão: a razão é uma ponte. As pontes ligam o aquém e o além. O aquém da razão todos conhecemos, são os afectos, as emoções, as pulsões. Mas o que será o além da razão? O que será a sobre-razão? Para além da ponte está a não ponte. A sobre-razão só pode ser uma não-razão. Qual o território dessa não-razão? A infra-razão, o aquém da razão, tem por território a necessidade natural, físico-biológica, a razão habita o território da necessidade social, pois não é ela a filha da praxis política? À sobre-razão resta-lhe um estranho território, o da liberdade. Onde cessam as necessidades naturais e a sociais, começa o país da liberdade. A razão ainda é uma prisão para aquele que se quer aventurar nessa estranha pátria. Não basta, para ser livre, desconstruir as estratégias do corpo como pensou Platão e a tradição ocidental com ele. Não basta opor a razão ao corpo, o espírito à matéria. Não basta sequer perorar contra os dualismos, cartesianos ou outros. O corpo encerra a razão, a razão encerra a liberdade. A sobre-razão talvez seja a faculdade de abandonar ambos os cativeiros. Mas como será possível uma sobre-crítica dessa sobre-razão que lhe assinale os direitos e os limites? Talvez o território da liberdade não tenha limites e o que penetra nele esteja libertado de direitos e de deveres.

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