10/12/09

René Girard - Imitação



Não há nada ou quase nada, nos comportamentos humanos, que não seja aprendido, e toda a aprendizagem reenvia para a imitação. Se os homens, de repente, cessassem de imitar, todas as formas culturais desapareceriam. Os neurologistas lembram-nos frquentemente que o cérebro é uma enorme máquina de imitar. [Girard, René (1978). Des Choses Cachées Depuis la Fundation du Monde. Éditions Grasset & Fasquele, pp. 15]
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Eis o conceito central da aprendizagem, imitação. Daí a importância do mestre, a quem discípulo deve imitar, até ao dia que, capacitado, pode "matá-lo" e tornar-se assim em mestre e exemplo a imitar. O conceito de mimésis, já em Aristóteles, era um conceito complexo. A real imitação nunca é uma reprodução mecânica do modelo. Este, porém, constitui-se no conteúdo noemático, para falar à maneira da fenomenologia, que a intencionalidade do discípulo visa. Esta intencionalidade implica uma configuração complexa, de gestos e atitudes, para lograr a imitação, implica um trabalho árduo para alcançar o modelo. Este trabalho, porém, tem uma função surpreendentemente libertadora. Aquele que trabalha arduamente para imitar vai descobrir as suas próprias forças e o seu próprio caminho. Assim, se libertará do modelo.

Aquilo que no ensino de hoje se propõe, porém, é o contrário disto. A imitação, e o concomitante trabalho árduo, foram banidos. A criança e o jovem não devem imitar. Terão de ser criativos e de ser inovadores. Não há maior armadilha que se possa fazer a uma criança ou a um jovem que exigir que ele seja criativo e inovador (fazem-me rir as idiotices - repito para que não restem dúvidas, idiotices - que se encontram em muitos documentos de avaliação de alunos, paridos por escolas, professores e organismos do ministério, sobre avaliar criatividades e espíritos de inovação). A criatividade e a inovação só podem nascer após um longo processo mimético. Como pode um sistema de ensino que baniu os modelos a imitar, que desprezou o acto mimético e o complexo trabalho que ele requer, exigir, com tamanha falta de pudor e de probidade intelectual, que crianças e jovens sejam criativos e inovadores?

2 comentários:

Margarida Tomaz disse...

Os novos mestres:

http://www.youtube.com/watch?v=u3ZvIp7hNEs

Miguel e Rita Clara disse...

Talvez por pertencer à etnia criativa,ocorreu-me a Biologia.
O mimetismo e a camuflagem, tantas vezes confundidos. Talvez pudéssemos afirmar que um é activo (mimetismo) e o outro é passivo (camuflagem). O Mimetismo requer esforço e pretende ocupar um espaço pertencete a outros seres, já a camuflagem, almeja a indiferenciação.
Talvez tenhamos criado jovens que ambicionam apenas camuflagens...
A criatividade não pode ser confundida com o vómito proveniente da ignorância. A criatividade trabalha-se, constrói-se. Os Impromptu têm quase sempre teias complexas.